por
Renato Brasileiro
Os conceitos de sala
de Estado-Maior e de prisão especial não se confundem e a prerrogativa de
recolhimento naquela não se reduz à prisão especial de que trata o art. 295 do
CPP.
Se por Estado-Maior
se entende o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de uma organização
militar (Exército, Marinha, Aeronáutica, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar),
sala de Estado-Maior é o compartimento de qualquer unidade militar que, ainda
que potencialmente, possa ser por eles utilizado para exercer suas funções.
Destarte, enquanto uma “cela” tem como finalidade típica o aprisionamento de
alguém e, em razão disso, possui grades, em regra, uma “sala” apenas
ocasionalmente é destinada para esse fim, além de oferecer instalações e
comodidades condignas, isto é, condições adequadas de higiene e segurança.
Compreende-se a sala de Estado-Maior, portanto, como uma sala e não cela,
instalada no Comando das Forças Armadas ou de outras instituições militares,
configurando tipo heterodoxo de prisão, eis que destituída de grades ou de
portas fechadas pelo lado de fora.[1]
O direito à sala de
Estado-Maior somente se refere às hipóteses de prisão cautelar,
assemelhando-se, assim, à prisão especial, cujo direito também cessa com o
trânsito em julgado da sentença condenatória[2].
No entanto, membros
do Ministério Público da União (LC n. 75/93, art. 18, inciso II, “e”),
integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal e da União (Lei n. 4.878/65,
art. 40, §3º) e presos que, ao tempo do fato, eram funcionários da
administração da Justiça Criminal (LEP, art. 84, §2º, c/c o art. 106, §3º)
terão direito à cela separada dos demais presos, mesmo durante a execução da
prisão definitiva. Apesar de não existir dispositivo específico para o juiz,
compreende-se que o magistrado estaria inserido no permissivo do art. 84, §2º,
da LEP, por tratar-se de funcionário da Justiça Criminal. Tais dispositivos
visam preservar a integridade física e moral do preso (CF, art. 5º, inciso
XLIX), evitando que esse condenado permaneça no meio de presos que possam
nutrir sentimentos de vingança contra o funcionário ou ex-funcionário da
Justiça Criminal[3].
Fazem jus à sala de
Estado-Maior:
1. Membros do Ministério Público. Dispõe o art. 40 da
Lei n. 8.625/93 que constituem prerrogativas dos membros do Ministério Público,
além de outras previstas na Lei Orgânica: “(...) III - ser preso somente por
ordem judicial escrita, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a
autoridade fará, no prazo máximo de vinte e quatro horas, a comunicação e a
apresentação do membro do Ministério Público ao Procurador-Geral de Justiça; IV
- ser processado e julgado originariamente pelo Tribunal de Justiça de seu
Estado, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada exceção de ordem
constitucional; V - ser custodiado ou recolhido à prisão domiciliar ou à sala
especial de Estado Maior, por ordem e à disposição do Tribunal competente,
quando sujeito à prisão antes do julgamento final (...)”. Por sua vez, de
acordo com o art. 18, inciso II, da LC n. 75/93, são prerrogativas processuais
dos membros do Ministério Público da União: “(...) d) ser preso ou detido
somente por ordem escrita do tribunal competente ou em razão de flagrante de
crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação àquele
tribunal e ao Procurador-Geral da República, sob pena de responsabilidade; e)
ser recolhido à prisão especial ou à sala especial de Estado-Maior, com direito
a privacidade e à disposição do tribunal competente para o julgamento, quando
sujeito a prisão antes da decisão final; e a dependência separada no estabelecimento
em que tiver de ser cumprida a pena; f) não ser indiciado em inquérito
policial, observado o disposto no parágrafo único deste artigo (...)”.
2. Membros do Poder Judiciário. De acordo com o art.
33 da LC n. 35/79, são prerrogativas do magistrado: “(...) II - não ser preso
senão por ordem escrita do Tribunal ou do órgão especial competente para o
julgamento, salvo em flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade
fará imediata comunicação e apresentação do magistrado ao Presidente do Tribunal
a que esteja vinculado (vetado); III - ser recolhido a prisão especial, ou a
sala especial de Estado-Maior, por ordem e à disposição do Tribunal ou do órgão
especial competente, quando sujeito a prisão antes do julgamento final (...)”.
3. Membros da Defensoria Pública. De acordo com os
arts. 44, inciso III, e 128, inciso III, da Lei Complementar n. 80/94, são
prerrogativas dos membros da Defensoria Pública: “(...) III - ser recolhido a
prisão especial ou a sala especial de Estado-Maior, com direito a privacidade
e, após sentença condenatória transitada em julgado, ser recolhido em
dependência separada, no estabelecimento em que tiver de ser cumprida a pena”.
4. Advogados - De acordo com o Estatuto da Ordem dos
Advogados do Brasil (Lei n. 8.906/94, art. 7º), são direitos do advogado ter a
presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado
ao exercício da advocacia, para lavratura do auto respectivo, sob pena de
nulidade e, nos demais casos, a comunicação expressa à seccional da OAB (inciso
IV). Por sua vez, de acordo com o inciso V do art. 7º, ao advogado assiste o
direito de não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado,
senão em sala de Estado-Maior, com instalações e comodidades condignas, assim
reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar (no julgamento da
ADIN 1.127-8, o Supremo declarou a inconstitucionalidade da expressão ‘assim
reconhecidas pela OAB’).
Perceba-se que, em
relação ao advogado, a ausência de sala de Estado-Maior implica no seu
recolhimento domiciliar[4], benefício este com o qual não foram contemplados os
membros da magistratura, do Ministério Público e da Defensoria Pública.
De acordo com o
entendimento pretoriano, “(...) aos profissionais da advocacia é assegurada a
prerrogativa de confinamento em Sala de Estado-Maior, até o trânsito em julgado
de eventual sentença condenatória. Prerrogativa, essa, que não se reduz à
prisão especial de que trata o art. 295 do Código de Processo Penal. A
prerrogativa de prisão em Sala de Estado-Maior tem o escopo de mais
garantidamente preservar a incolumidade física daqueles que, diuturnamente, se
expõem à ira e retaliações de pessoas eventualmente contrariadas com um labor
advocatício em defesa de contrapartes processuais e da própria Ordem Jurídica.
A advocacia exibe uma dimensão coorporativa, é certo, mas sem prejuízo do seu
compromisso institucional, que já é um compromisso com os valores que permeiam
todo o Ordenamento Jurídico brasileiro. A Sala de Estado-Maior se define por
sua qualidade mesma de sala e não de cela ou cadeia. Sala, essa, instalada no
Comando das Forças Armadas ou de outras instituições militares (Polícia
Militar, Corpo de Bombeiros) e que em si mesma constitui tipo heterodoxo de
prisão, porque destituída de portas ou janelas com essa específica finalidade
de encarceramento. Ordem parcialmente concedida para determinar que o Juízo
processante providencie a transferência do paciente para sala de uma das
unidades militares do Estado de São Paulo, a ser designada pelo Secretário de
Segurança Pública”.[5]
Quanto aos
jornalistas, dispunha o art. 66 da Lei n. 5.250/67 (Lei de Imprensa) que o
jornalista profissional não poderia ser detido nem recolhido preso antes de
sentença transitada em julgado; em qualquer caso, somente em sala decente,
arejada e onde encontre todas as comodidades. A pena de prisão de jornalistas,
por sua vez, deve ser cumprida em estabelecimento distinto dos que são
destinados a réus de crime comum e sem sujeição a qualquer regime penitenciário
ou carcerário.
Ocorre que o Supremo
Tribunal Federal, no julgamento da argüição de descumprimento de preceito
fundamental n. 130, julgou procedente o pedido ali formulado para o efeito de
declarar como não-recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos
da Lei 5.250/67.
Destarte, jornalistas
deixaram de ter direito à sala de Estado-Maior, subsistindo, todavia, o direito
à prisão especial, caso o jornalista seja diplomado por qualquer das faculdades
superiores da República (CPP, art. 295, VII).[6]
[1] STF – Rcl 4.535/ES – Tribunal Pleno –
Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJ 15/06/2007 p. 21.
[2] “(...) A jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal consolidou o entendimento segundo o qual o réu que ostente
status profissional de advogado tem direito público subjetivo à prisão especial
até o trânsito em julgado da condenação. Precedentes: PET - MC nº 166/SP, Rel.
Min. Carlos Madeira, 2ª Turma, unânime, DJ 2.5.1986; HC nº 72.465/SP, Rel. Min.
Celso de Mello, 1ª Turma, unânime, DJ 5.9.1995; HC nº 81.632/SP, Rel. Min.
Carlos Velloso, 2ª Turma, maioria, DJ 21.3.2003; e HC nº 88.702/SP, Rel. Min.
Celso de Mello, 2ª Turma, unânime, DJ 24.11.2006. O juízo de origem, em nenhum
momento, criou dificuldades à efetivação do direito da paciente à prisão
especial. A decisão agravada ateve-se às circunstâncias do caso e apontou que o
direito à prisão especial cessa com o trânsito em julgado da condenação penal.
Diante da confirmação do trânsito em julgado da ação penal perante as
instâncias ordinárias, recurso de agravo desprovido”. (STF – HC-AgR 82.850/SP –
2ª Turma – Rel. Min. Gilmar Mendes – DJ 28/09/2007 p. 65).
[3] “(...) Embora os funcionários da Administração
Criminal possuam direito à prisão especial mesmo após o trânsito em julgado da
condenação, a execução de suas penas dar-se-á em estabelecimento penal sujeito
ao mesmo sistema disciplinar e carcerário de outros presos com o mesmo regime
prisional, em dependência isolada dos demais reclusos, a teor do disposto no §
2º do art. 2º do art. 84 da Lei nº 7.210/84”. (STJ – REsp 744.857/RN – 5ª Turma
– Relatora Ministra Laurita Vaz – DJ 06/02/2006 p. 304).
[4] “(...) A jurisprudência firmada pelo
Plenário e pelas duas Turmas desta Corte é no sentido de se garantir a prisão
cautelar aos profissionais da advocacia, devidamente inscritos na Ordem dos
Advogados do Brasil, em sala de Estado-Maior, nos termos do art. 7º, inc. V, da
Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), e, não sendo possível ou não existindo
dependências definidas como tal, conceder a eles o direito de prisão
domiciliar”. (STF – HC 91.150/SP – 1ª
Turma – Rel. Min. Menezes Direito – DJ 31/10/2007 p. 91).
[5] STF – HC 91.089/SP – 1ª Turma – Rel. Min. Carlos Britto – DJ 19/10/2007 p.
46. Na mesma linha: STF – Rcl 4.713/SC – Tribunal Pleno – Rel. Min. Ricardo
Lewandowski – DJE 041 – 07/03/08).
[6] Vale lembrar que, segundo decisão do
Supremo Tribunal Federal, “(...) a exigência de diploma de curso superior para
a prática do jornalismo - o qual, em sua essência, é o desenvolvimento
profissional das liberdades de expressão e de informação - não está autorizada
pela ordem constitucional, pois constitui uma restrição, um impedimento, uma
verdadeira supressão do pleno, incondicionado e efetivo exercício da liberdade
jornalística, expressamente proibido pelo art. 220, § 1º, da Constituição. (..)
No campo da profissão de jornalista, não há espaço para a regulação estatal
quanto às qualificações profissionais. O art. 5º, incisos IV, IX, XIV, e o art.
220, não autorizam o controle, por parte do Estado, quanto ao acesso e
exercício da profissão de jornalista. Qualquer tipo de controle desse tipo, que
interfira na liberdade profissional no momento do próprio acesso à atividade
jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em verdade,
caracteriza censura prévia das liberdades de expressão e de informação,
expressamente vedada pelo art. 5º, inciso IX, da Constituição. A
impossibilidade do estabelecimento de controles estatais sobre a profissão
jornalística leva à conclusão de que não pode o Estado criar uma ordem ou um
conselho profissional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão.
O exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo em que imperam
as liberdades de expressão e de informação. (...)”. (STF – RE 511.961/SP –
Tribunal Pleno – Rel. Min. Gilmar Mendes – Dje 213 – 12/11/2009).