quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Artigo: Empresas públicas e sociedades de economia mista se beneficiam da imunidade tributária recíproca?


por Tathiane Piscitelli


O artigo 150, inciso VI, alínea a da Constituição estabelece a não incidência de impostos sobre o “patrimônio, renda e serviços” da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. O objetivo é garantir o equilíbrio entre os entes da Federação e, assim, assegurar a manutenção da forma federativa de Estado. Tal imunidade ficou conhecida como “imunidade tributária recíproca”, exatamente pela vedação da imposição de ônus tributários, relacionados a impostos, de forma recíproca entre os entes.

Ao lado da alínea a do artigo 150, inciso VI, a Constituição ainda estabelece duas regras relativas à imunidade recíproca. A primeira está no parágrafo 2o desse mesmo artigo, que estende a não incidência de impostos às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, quanto ao “patrimônio, renda e serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes”. Além disso, determina o parágrafo 3o que essa mesma imunidade não se aplica ao patrimônio, renda e serviços que sejam relacionados com a “exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário”.

A partir da redação de todos esses dispositivos pode-se afirmar, de plano, que a imunidade recíproca desonera entes da Federação, inclusive a Administração Indireta, na figura das autarquias e fundações, do pagamento de impostos, desde que estejamos diante de atividades relacionadas com a prestação de serviços públicos. Os casos em que a Administração presta serviços ou realiza atividades sob o âmbito do direito privado não estariam contemplados pela imunidade, especialmente por razões de isonomia e, assim, garantia de tratamento igualitário entre os atores do mercado.

Contudo, uma dúvida se coloca quando se trata de avaliar a imunidade recíproca e seu possível alcance: como ficariam as hipóteses em que há a prestação de serviços públicos mediante concessão, ou mesmo pelas mãos de empresas públicas e sociedades de economia mista? Nesses casos, porque se trata de prestação de “serviço público” a imunidade também seria aplicável a tais entes da Administração Indireta? A pergunta é relevante, na medida em que tais entidades atuam sob o regime de direito privado e, em princípio, estariam excluídas da imunidade pela redação do parágrafo 3o do artigo 150 da Constituição.

O Supremo Tribunal Federal avaliou essa questão a partir de dois casos. O primeiro tomou em conta os serviços prestados pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, os “Correios”, e o segundo, cuja decisão foi dada no último dia 25 de agosto, avaliou a existência de imunidade para a Companhia Brasileira de Docas do Estado de São Paulo, a “Codesp”.

Quanto aos Correios, o Supremo Tribunal Federal decidiu, em  diversas ocasiões (ACO’s 1095, 965, 811 e 765), que o fato de a ECT prestar serviços públicos resulta na inexistência de atividade econômica em sentido estrito a ela vinculada ou mesmo a persecução de lucro. Dessa forma, seria inaplicável a limitação contida no artigo 150, parágrafo 3o da Constituição, a qual se destinaria àquelas empresas públicas cujo objetivo fosse a obtenção de lucro, nos termos das normas aplicáveis ao setor privado. Essa orientação, consolidada no Supremo, acabou por ampliar a imunidade recíproca, já que não apenas as autarquias e fundações seriam beneficiadas, mas também empresas públicas prestadoras de serviços públicos – caso específico dos Correios.

Recentemente, o tema voltou à pauta do STF pelo caso da Codesp, decidido no Recurso Extraordinário 253.472. O debate, nessa hipótese, estava centrado no IPTU: a empresa, por gerir patrimônio da União (i.e. as instalações do porto de Santos), poderia se beneficiar da imunidade? A resposta a essa questão passava não apenas pela interpretação do instituto da imunidade recíproca e respectivas limitações, mas, também, pela análise do fato gerador do IPTU, disciplinado nos artigos 32 e seguintes do Código Tributário Nacional.
De acordo com a redação desse dispositivo, a incidência do IPTU decorre da propriedade, posse ou domínio útil de imóvel localizado na zona urbana do Município. Por isso, em tese, o fato de os imóveis serem de propriedade da União não impediria a incidência do imposto e, dessa forma, inexistiria qualquer ofensa à imunidade tributária recíproca.

Essa orientação, contudo, não foi a que prevaleceu. Para o Ministro Joaquim Barbosa, que conduziu a tese vencedora, as atividades desenvolvidas pela Codesp não visam, preponderantemente, ao lucro. Ao contrário, o imóvel atende a necessidades públicas e, por isso, deve ser imune ao pagamento do IPTU.

Mais uma vez, portanto, o Supremo Tribunal Federal se manifestou pela prevalência da finalidade do ente da Administração Indireta, em detrimento da sua forma constitutiva: não importa se se trata de autarquia, fundação, empresa pública ou sociedade de economia mista. O dado relevante a se considerar, que determina a aplicação da imunidade recíproca, é o objeto perseguido pelo ente; caso estejamos diante da prestação de serviços públicos, haverá a imunidade, ficando, assim, afastada a aplicação das limitações contidas no artigo 150, parágrafo 3o da Constituição.

Por fim, vale diferençar a presente discussão daquela que ainda se encontra em julgamento no Supremo, no Recurso Extraordinário 434.251, em que se debate a eventual imunidade de empresa que ocupa área de propriedade da União com intuito de desenvolver atividade com fins lucrativos. O julgamento foi interrompido no último dia 26 de agosto, por pedido de vista da Ministra Carmen Lúcia. A situação, aqui, é diferente do caso da Codesp, na medida em que no RE 434.251 se está diante de uma empresa que, de forma indubitável, possui finalidade lucrativa. Caso o Supremo mantenha a mesma orientação firmada em relação à Codesp – o que é esperado – a decisão deverá ser no sentido de não reconhecer a imunidade, estritamente porque a empresa presta serviços visando ao lucro, afastando-se, assim, da finalidade pública que seria o lastro para a existência de imunidade recíproca.

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