segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Artigo: Tributos lançados por homologação e a expedição de certidão negativa de débitos: compreensão da Súmula 446 do STJ.


por Tathiane Piscitelli


Em 13 de maio, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça aprovou a Súmula 446, cujo conteúdo é o seguinte:

“Declarado e não pago o débito tributário pelo contribuinte, é legítima a recusa de expedição de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa”.

Trata-se de mais um posicionamento do STJ quanto aos efeitos da constituição do crédito tributário pelo contribuinte. De acordo com o Tribunal, referida constituição pode ser realizada tanto pela Administração quanto pelo sujeito passivo. A presença dessa última hipótese, porém, desencadeia uma série de conseqüências, que afetam outros institutos de direito tributário e a expedição de certidão negativa de débitos é um exemplo disso. Portanto, para compreender corretamente o alcance desse entendimento, devemos tratar, inicialmente, das formas de constituição do crédito tributário e do papel que o sujeito passivo exerce nesse âmbito. Visto isso, ficará mais fácil entender o significado da Súmula 446.

Em linhas gerais, o crédito tributário é representativo do poder-dever da Administração de exigir o tributo devido por conta da realização do fato jurídico tributário, o “fato gerador”. Este poder-dever, para que tome existência jurídica, deve ser formalizado em linguagem por um agente competente – que é aquele que o direito reconhece como hábil a promover a produção dessa linguagem.

Por algum tempo, especialmente por conta da redação do artigo 142 do Código Tributário Nacional, que prescreve que o lançamento tributário é “atividade privativa da Administração”, entendeu-se que apenas as autoridades tributárias seriam competentes para constituir o crédito tributário por meio do lançamento. Contudo, com a evolução do instituto do lançamento por homologação e com a participação cada vez mais intensa do contribuinte nessa atividade, a postura da doutrina e da jurisprudência começou a se alterar.
No lançamento por homologação, cuja disciplina está no artigo 150 do Código Tributário Nacional, o sujeito passivo tem o dever de “antecipar o pagamento do tributo sem prévio exame da autoridade administrativa”. Referido pagamento extingue o crédito tributário sob condição resolutória da posterior homologação do pagamento, que ocorrerá no prazo de cinco anos, salvo disposição legal em sentido contrário.

Segundo a legislação tributária, na imensa maioria dos tributos lançados por homologação, o sujeito passivo não tem apenas o dever de antecipar o pagamento do tributo, mas, também, de declarar, para a Administração, a ocorrência do fato gerador e o valor devido por conta da realização da conduta tributável. Em regra, a declaração antecede o pagamento, que é realizado nos termos daquela.

De acordo com a jurisprudência, a declaração realizada nesses termos tem o condão não apenas de declarar a ocorrência do fato gerador, mas, também, de constituir o crédito tributário, na medida em que o contribuinte confessa o valor devido de tributo. Na hipótese de não pagamento ou pagamento parcial do valor declarado, a Administração poderá inscrever o débito em Dívida Ativa com vistas à cobrança via Execução Fiscal. O lançamento tributário é desnecessário, uma vez que o crédito já foi objeto de constituição pelo próprio sujeito passivo.

A possibilidade de o sujeito passivo constituir o crédito e, assim, dispensar a realização do lançamento, tem conseqüências jurídicas que refletem em outros institutos de direito tributário. Um exemplo é a denúncia espontânea. De acordo com a postura do STJ, consolidada na Súmula 360, nos casos em que o contribuinte declara o valor devido, mas não faz o pagamento no prazo, o recolhimento posterior do tributo não caracteriza a denúncia espontânea e, assim, não autoriza a dispensa da multa. Isso porque o valor declarado já representa uma comunicação do débito à Administração, restando, por isso, afastada a presença de um dos requisitos à denúncia, nos termos do artigo 138 do Código.

A Súmula 446 é representativa da uniformização da jurisprudência do Tribunal em relação a um outro tema de direito tributário: aquele relativo às condições para a obtenção de certidão negativa de débitos, ou certidão positiva com efeitos de negativa. Nos termos da Súmula, a declaração do valor devido sem a realização do pagamento respectivo justifica a recusa, por parte da Administração, de expedição de certidão negativa ou certidão positiva com efeitos de negativa. Por que tal ocorre?

Para responder essa pergunta, deve-se ter em mente que a expedição de certidão negativa apenas é possível nos casos em que o contribuinte não apresenta quaisquer débitos tributários pendentes. De outro lado, de acordo com o artigo 206 do Código Tributário Nacional, terá os mesmos efeitos de uma certidão negativa aquela que seja positiva mas faça referência a créditos “não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa”.

Pois bem, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação em que o contribuinte declara, mas não paga o valor devido, tem-se a constituição do crédito tributário em virtude de tal declaração e isso já é suficiente para atestar a existência de uma dívida tributária que impeça a emissão da certidão positiva com efeitos de negativa. Trata-se, então, de mais um efeito decorrente da constituição do crédito pelo sujeito passivo: tendo sido o fato gerador e o valor devido declarados corretamente, o contribuinte fica impedido de obter certidão negativa de débitos, já que confessou e formalizou em linguagem a existência de um débito tributário. E, reitere-se, a certidão será legitimamente recusada, independentemente de qualquer ato formal da Administração em relação ao reconhecimento da dívida.

Por fim, vale destacar que esse entendimento apenas vale para as situações em que a declaração é correta quanto ao valor a ser recolhido e ao fato gerador, sem que tenha havido pagamento a ela vinculado. As hipóteses em que há pagamento parcial atrelado a uma declaração incorreta já não se aplicam a essa regra, uma vez que nessas situações a Administração tem o dever de constituir o valor remanescente, não declarado e não pago.

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