quinta-feira, 29 de setembro de 2011

TEORIA DOS CÍRCULOS CONCÊNTRICOS DA VIDA PRIVADA E SUAS REPERCUSSÕES NA PRAXE JURÍDICA.




Bruno Henrique Di Fiore
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e advogado.

O estudo da tutela da vida privada ganha relevo nos dias hoje pela crescente jurisdicização dos danos morais, como forma de proteção aos direitos da personalidade. É de se atentar que recentes súmulas do STJ vêm consolidando o entendimento de que certas condutas causam afronta aos sentimentos mais íntimos do ser humano, gerando situações por vezes merecedoras até mesmo de uma presunção absoluta de prejuízo (dano in re ipsa), como se vê pelo enunciado das súmulas 370 e 388 do Superior Tribunal de Justiça.[1]

Dentro de referida matéria é possível fazer um corte epistemológico remontando à doutrina que divide a intimidade humana em várias camadas, cuja apuração é de grande valia teórica, mas também prática, como se verá no decorrer deste artigo.

Dentre os estudos feitos sobre a correlação entre vida privada e suas esferas está a chamada ‘teoria dos círculos concêntricos da esfera da vida privada’[2] ou ‘teoria das esferas da personalidade’, que ganhou relevo na doutrina alemã, a partir de 1953, com Heinrich Hubmann[3]. Ele dividiu a esfera da vida privada do ser humano em 3 círculos, de acordo com sua densidade, sendo que a esfera externa seria a privacidade, a intermediária alocaria o segredo e a esfera mais interna seria o plano da intimidade. Esta corrente foi trazida ao Brasil por Elimar Szaniawski[4] e é adotada pela doutrina minoritária, a exemplo de Cristiano Chaves de Farias.

Nos meados da década de 1950, aproximadamente por volta do ano de 1957, Heinrich Henkel também tripartiu a vida privada em círculos concêntricos, perfazendo camadas sobre camadas, mas, diferentemente da teoria anterior, inclui como círculo nuclear o do segredo, deixando o círculo da intimidade como intermediário e o da privacidade como círculo externo. Este entendimento foi difundido no Brasil por Paulo José da Costa Junior, sendo seguido pela doutrina majoritária (Silmara Chinelato, Pablo Stolze Gagliano e Flávio Tartuce).

Não obstante a grande carga dogmática da matéria acima explanada, é de se perceber que a diferenciação entre camadas, seja qual for a classificação adotada, é de suma importância para o momento do dano moral no ordenamento jurídico pátrio, na medida em que quanto mais íntima for a interferência de terceiros dentro da vida privada da ‘vítima’, maior a afronta ao direito da personalidade e, por conseguinte, maior a represália merecida, que poderá refletir na exasperação da quantificação do dano extrapatrimonial que dele advirá.

Não obstante a importância da repercussão patrimonial que tal lesão poderá causar, os graus de proteção de referidos direitos será maior quanto mais profunda for a escala de privacidade, pelo que se passa a uma breve síntese de cada plano.

A privacidade é o círculo da vida privada em sentido estrito (Privatsphäre), em que repousam as relações interpessoais mais rasas, na qual não há um amplo grau de conhecimento da vida alheia, beirando o coleguismo. O acesso ao público é restrito, mas seu grau de adstrição é o menor dentre as 3 esferas, sendo que o interesse público é motivo plausível para sua violação. É neste círculo que repousa, por exemplo, o sigilo de dados telefônicos (acesso à relação de ligações efetuadas e recebidas), que pode ser quebrado pelo Poder Judiciário ou por CPI.  Nesta esfera também se encontram os episódios de natureza pública que envolvam o indivíduo, extensíveis a um círculo indeterminado de pessoas e por isso não protegidos contra a divulgação.

A intimidade é o círculo intermediário (Vertrauens­phäre), que congloba informações mais restritas sobre o ser humano, compartilhadas com reduzido número de pessoas de seu ambiente familiar, amigos íntimos e profissionais que têm conhecimento das informações em razão do ofício (a exemplo de psicólogos, padres e advogados). É neste círculo que se encontram protegidos o sigilo domiciliar, profissional e das comunicações telefônicas, que sofrem restrições mais agudas para sua abertura, a exemplo da última cuja quebra só pode ser decretada por decisão judicial fundamentada.

O segredo (Geheims­phäre) é o círculo mais oculto das esferas da privacidade lato sensu, no qual são guardadas as informações mais íntimas do Eu, que muitas vezes não são compartilhadas com outros indivíduos e sobre as quais o interesse público não poderá se imiscuir, a exemplo da opção sexual, filosófica e religiosa.

Após a exposição acima, acolhemos a posição de Henkel, concluindo que a privacidade diz respeito aos aspectos mais recônditos do indivíduo, resguardando as informações pessoais, dentre as quais algumas podem tocar o interesse público (intimidade), e outras dizem respeito exclusivamente ao titular (segredo – aspecto mais interior da privacidade).

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Bibliografia
FROTA, Hidemberg Alves da. A proteção da vida privada, da intimidade e do segredo no Direito brasileiro e Comparado. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, Montevideo, v. 13, n. 1, t. 2, p. 459-495, ene.-dic. 2007. Disponível em: <http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/20072/pr/pr2.pdf>.

FROTA, Hidemberg Alves da. Teoria geral das Comissões Parlamentares de Inquérito brasileiras. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, Montevideo, v. 12, n. 1, t. 1, p. 229-259, ene.-dic. 2006. Disponível em: <http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/20062/pr/pr0.pdf>.



[1] Súmula 370 Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado. Súmula 388 A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.
[2] COSTA JR., Paulo José da. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 36.
[3] HUBMANN, Heinrich. Das persönlichkeitsrecht. Münster: Böhlau-Verlag, 1953, apud COSTA JR., Paulo José da, Op. Cit., p. 30.
[4] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: RT, 1993.

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