quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Artigo: O conteúdo jurídico da dignidade da pessoa humana.


por Marcelo Novelino

A consagração expressa da dignidade da pessoa humana nas Constituições de diversos países, bem como sua elevação à categoria de “valor supremo” do ordenamento jurídico, são alguns dos traços mais marcantes do constitucionalismo do segundo pós-guerra. Apesar de reconhecida anteriormente, por jusnaturalistas e positivistas ao se referirem a direitos humanos,1 é após o fim da Segunda Guerra Mundial que a dignidade da pessoa humana começa a despontar como núcleo central do constitucionalismo de valores, do Estado Constitucional Democrático e dos direitos fundamentais.2

Não obstante, diversamente do reconhecimento da importância axiológica, quando se trata da eficácia normativa, as divergências começam a surgir, sobretudo, em razão da dificuldade de se estabelecer uma precisa definição jurídica de seu conteúdo,3 imprescindível para a obtenção de uma maior densidade jurídica que possibilite sua transição da “dimensão ética e abstrata para as motivações racionais e fundamentadas das decisões judiciais”.4

O presente ensaio tem o intuito (e a “pretensão”) de contribuir para a compreensão do significado e para a delimitação dos contornos do conteúdo jurídico desta noção.

ORIGEM HISTÓRICA

Apesar das copiosas reflexões elaboradas em séculos passados, é possível destacar duas grandes correntes de pensamento das quais a dignidade retira toda a sua riqueza de conteúdo: a tradição cristã e a filosofia kantiana.5

A doutrina cristã foi a responsável pelo surgimento da noção de dignidade humana no mundo ocidental. Ainda que alguns de seus elementos tenham sido formulados pela Escola Estoicista, é no Cristianismo que o conceito de pessoa, como ser dotado de dignidade, encontra suas raízes. Por meio de sua vinculação à idéia da criação e da ação divina, a concepção cristã é desenvolvida no sentido de que, por serem criados à imagem e semelhança de Deus, os homens possuem uma igualdade essencial.6 Esse é considerado, por muitos, como o fundamento da dignidade humana.

Formulada durante a Idade Média, a concepção tomista do direito de resistência tinha como fundamento a dignidade da pessoa humana. Nos séculos XVII e XVIII, os racionalistas a reconheceram no plano abstrato, como decorrência da idéia de que o homem era dotado de uma razão unificada. Mais tarde, porém, os existencialistas reagiram a essa concepção e o valor da pessoa humana foi reconhecido na individualidade concreta de cada um.7

Com a mudança de paradigma do fundamento do Direito Natural – de Direito divino para racional, baseado na experiência e na razão humanas – a concepção de dignidade do homem passou por um processo de racionalização e laicização, sem que, todavia, houvesse o abandono da noção de que todos os homens são iguais em dignidade.8 Uma das responsáveis por essa mudança foi a concepção “iluminista”, que substituiu a religião pelo homem, colocando-o no centro do sistema de pensamento.9

Nesse período, destaca-se o pensamento de Immanuel Kant, pioneiro na formulação da concepção moderna de dignidade humana. É na filosofia kantiana que a noção encontra o seu suporte filosófico fundamental, assim como sua concepção humanista e universalista.10

Em Kant, todos os seres humanos, quaisquer que sejam, são igualmente dignos de respeito, sendo o traço distintivo do homem, como ser racional, o fato de existir como um fim em si mesmo. Por essa razão ele não pode ser usado como simples meio, o que limita o uso arbitrário desta ou daquela vontade.11

Para o filósofo de Königsberg, o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza racional está na autonomia da vontade.12

Em que pesem as críticas à concepção kantiana – dentre as quais, a de ser demasiadamente antropocentrista –, grande parte das formulações sobre a dignidade apóia-se essencialmente em seus trabalhos, sobretudo em Fundamentação da metafísica dos costumes, que tem, ainda hoje, fornecido elementos de grande valia para o desenvolvimento deste conceito.

A DPH E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A dignidade da pessoa humana não é um direito concedido pelo ordenamento jurídico, mas um atributo inerente a todos os seres humanos, independentemente de sua origem, raça, sexo, cor ou quaisquer outros requisitos. A consagração no plano normativo constitucional significa tão-somente o dever de promoção e proteção pelo Estado, bem como de respeito por parte deste e dos demais indivíduos.

Há uma relação de dependência mútua entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais. Ao mesmo tempo em que os direitos fundamentais surgiram como exigência da dignidade de proporcionar um pleno desenvolvimento da pessoa humana, é certo que somente por meio da existência desses direitos a dignidade poderá ser respeitada, protegida e promovida. Por essa razão, a exigência de cumprimento e promoção dos direitos fundamentais encontra-se estreitamente vinculada ao respeito à dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, pode-se dizer que “os direitos fundamentais são os pressupostos elementares de uma vida humana livre e digna, tanto para o indivíduo como para a comunidade: o indivíduo só é livre e digno numa comunidade livre; a comunidade só é livre se for composta por homens livres e dignos”.13

Os direitos fundamentais, apesar de terem a dignidade como fundamento, não derivam dela com a mesma intensidade. Enquanto direitos como a vida, a liberdade e a igualdade decorrem diretamente da dignidade humana (derivações de 1º grau), outros são apenas derivações indiretas (derivações de 2º grau).

Portanto, a origem e o ponto comum entre todos os direitos fundamentais é o fato de serem necessários à proteção da dignidade humana, que serve como referência valorativa para a delimitação do âmbito material desses direitos, conferindo-lhes um caráter sistêmico e unitário.14

A DPH NO PLANO AXIOLÓGICO

A consagração jurídica em diversos documentos normativos constitucionais impõe o reconhecimento de que a dignidade deixou de ser um simples objeto de especulações filosóficas para se transformar em uma noção jurídica autônoma cumpridora de um papel fundamental dentro do Direito.

Essa crescente positivação, no entanto, não vem acompanhada de uma “fórmula definitória”, restando aos operadores do Direito a função de densificar o seu conteúdo, descobrindo e revelando o seu significado. Por se tratar de uma noção universal, sua essência deverá ser a mesma em qualquer lugar, não cabendo ao legislador definir o seu conteúdo, mas apenas consagrar os meios necessários e adequados para sua proteção, promoção e concretização.

A noção de dignidade vem do latim dignitas que significa “valor intrínseco”, “mérito”, “prestígio”, “estima”, “nobreza”.15 Por ser ontologicamente anterior a sua positivação, esta noção deve ser levada em conta na elaboração de uma definição,16 pois a dignidade “não é apenas o que o direito diz que é”.17

Uma série de obstáculos dificulta a tarefa de delimitação do conteúdo. Por ser uma noção polissêmica, de contornos imprecisos e de pouca densidade semântica, há quem sustente a impossibilidade de uma concretização jurídica séria. Por outro lado, a influência de determinadas concepções ideológicas, bem como de fatores temporais e espaciais, contribuem para aumentar a complexidade da tarefa, sendo mais fácil apontar uma violação à dignidade humana do que estabelecer o seu significado.

Tais dificuldades levaram Benoît Jorion a sustentar a impossibilidade de sua definição, seja por se tratar de uma noção intuitiva (“mais fácil de ser percebida do que definida”), seja por ser controversa (variável de acordo com a época, o lugar ou mesmo o interlocutor).18

Não obstante os empecilhos existentes, algumas considerações podem ser formuladas com o intuito de colaborar para a densificação de seu conteúdo, mesmo porque se a dignidade da pessoa humana ainda não alcançou uma definição uniforme, as inúmeras referências podem ser reunidas sob duas perspectivas principais: como noção autônoma ou em conjunto com outros valores, bens e utilidades indispensáveis a uma vida digna.

É usual a concepção de que a dignidade, enquanto prerrogativa inerente a todo ser humano, é diretamente violada quando da utilização de um indivíduo como simples instrumento para o alcance de determinados fins. Nesse sentido, a dignidade humana consiste em um atributo resultante da noção kantiana de que toda pessoa é um fim em si mesmo, não um mero instrumento ou objeto. No Direito Comparado, tal concepção é denominada “fórmula do objeto”.

Por outro prisma, enquanto fonte material dos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana possui múltiplos valores afins, alguns deles imprescindíveis ao pleno desenvolvimento da personalidade. A liberdade, com especial relevância para a autodeterminação (autonomia da vontade), e a igualdade, são valores cuja violação representa um atentado à própria dignidade.19

Dignidade e liberdade (autonomia da vontade)

Os direitos de liberdade se fundamentam, em toda a sua extensão, na dignidade da pessoa humana. São derivações diretas e nela se sustentam, na medida em que qualquer restrição arbitrária ou desproporcional constitui uma violação à dignidade.

Dentro do núcleo do valor liberdade, a autonomia da vontade possui especial relevância. Caracterizada como o direito de autodeterminação que deve ser assegurado a cada pessoa em face do Estado, das demais entidades e de outras pessoas, a autonomia é incindível da dignidade,20 constituindo-se no elemento nuclear desta noção.21

Na concepção kantiana, a autonomia da vontade, enquanto elemento distintivo do ser humano em relação a todos os demais seres, “é o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda natureza racional”.

Dignidade e igualdade

Todos os seres racionais são igualmente dignos. Como atributo inerente a toda pessoa humana, a dignidade não significa superioridade de um ser humano sobre outro, mas dos seres humanos sobre outros seres.

Tratar pessoas iguais de forma desigual ou pessoas desiguais de maneira idêntica caracteriza uma violação à igualdade formal e à própria dignidade.

Por outro lado, o núcleo material elementar da dignidade humana é composto pelo mínimo existencial, entendido como o conjunto de bens e utilidades básicas – como saúde, moradia e educação fundamental – imprescindíveis para uma vida com dignidade.22 Para sua efetividade, impõe-se ao Estado prestações materiais e jurídicas no sentido de reduzir as desigualdades sociais (igualdade material), possibilitando a todos o mínimo indispensável a uma vida digna.

A idéia do mínimo existencial (ou de núcleo da dignidade humana) – explica Ana Paula de Barcellos – tem sido proposta como forma de superação de várias dificuldades inerentes à dignidade humana, na medida em que procura representar, dentro dos direitos sociais, econômicos e culturais, um subconjunto menor – minimizando o problema dos custos –, mais preciso e efetivamente exigível do Estado.23

Portanto, ainda que a liberdade e a igualdade não se confundam com a dignidade humana em si, é inegável a estreita relação entre tais valores.

A DPH COMO FUNDAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO

Consagrada pela primeira vez, de forma expressa, em um texto constitucional brasileiro (CF, art. 1º, III),24 a dignidade da pessoa humana se constitui no núcleo axiológico da Constituição, tendo sido elencada dentre os fundamentos do Estado brasileiro. Ainda que a ausência de consagração expressa não signifique o seu abandono, a consagração cada vez maior nas Declarações Universais de Direitos e Constituições é relevante na medida em que a noção assume um inquestionável caráter jurídico.25 Por certo, não é indiferente que a dignidade da pessoa humana esteja explicitada na Constituição. Tal positivação a converte de valor tão-somente moral para valor tipicamente jurídico, revestido-a de caráter normativo e suscitando importantes conseqüências jurídicas.

Aos poderes públicos, impõe-se o dever de respeitá-la, protegê-la e promover os meios necessários ao alcance das condições mínimas indispensáveis a uma vida digna e ao pleno desenvolvimento da personalidade. Respeitar (observar) significa não realizar atividades que importem a sua violação (“obrigação de abstenção”); proteger implica uma ação positiva para defendê-la contra qualquer espécie de violação por parte de terceiros; promover consiste em proporcionar, por meio de prestações materiais e jurídicas, o mínimo indispensável a uma vida humana digna.

Com fundamento em tais considerações, pode-se concluir que, da consagração como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, III), decorrem dois mandamentos:

1º) a imposição de respeito à dignidade da pessoa humana; e,

2º) a determinação, dirigida aos poderes públicos, de proteção e de promoção do acesso aos valores, bens e utilidades indispensáveis a uma vida com dignidade.26

Considerando a norma como um gênero, do qual são espécies os princípios e as regras, passemos à análise desses mandamentos.

A REGRA DE PROTEÇÃO DA DPH

O dever de respeito (observância) se consubstancia em uma regra,27 de caráter eminentemente negativo, que impõe a abstenção da prática de condutas violadoras da dignidade, impedindo o tratamento da pessoa humana como simples meio para se atingir determinados fins. Esta concepção deve ser matizada pelo entendimento de que, em regra, o tratamento como objeto só caracteriza uma violação quando é fruto da “expressão do desprezo” por aquele ser humano.28

Portanto, na análise de eventual violação da regra de proteção da dignidade, deve-se verificar existência de dois requisitos: o objetivo, consistente no tratamento da pessoa como mero objeto (“fórmula do objeto”); e o subjetivo, consubstanciado na expressão de desprezo ou desrespeito à pessoa, ainda que não seja esta a intenção ou a finalidade de quem pratica o atentado.

Gonzales Perez aponta quatro critérios gerais utilizados na verificação de um atentado contra a dignidade, a saber:

I – as circunstâncias pessoais do sujeito são indiferentes (nacionalidade, raça, sexo, idade, grau de inteligência);

II – não se requer intenção ou finalidade;

III – a vontade da pessoa afetada, salvo em caso de atentados leves, é irrelevante; e,

IV – as diversas circunstâncias concorrentes devem ser valoradas na qualificação em concreto de uma determinada conduta.29

Dentre as possibilidades concretas de violação da regra estão a tortura, o genocídio, a manipulação genética,30 a clonagem humana,31 o tratamento elétrico de choque ou, ainda, a hipótese de um possível monitoramento cerebral de um preso. A cada dia o progresso científico torna possível o que em outros tempos era impensável, fazendo surgir novas hipóteses, em potencial, de violação.32

Não é difícil encontrar uma sanção para as hipóteses de descumprimento desta regra.33 Constatada a violação, as conseqüências jurídicas vão desde a suspensão da atividade, até a anulação do ato e a reparação do prejuízo.

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Os deveres de proteção da dignidade e de promoção dos meios necessários a uma vida digna encontram-se consubstanciados em um princípio, cuja observância exige a execução de tarefas e criações legiferantes (caráter positivo).

O mandamento de proteção impõe a criação e aplicação de normas sancionadoras de condutas que atentem contra a dignidade; o mandamento de promoção determina a consagração de direitos fundamentais,34 bem como o fornecimento de prestações materiais e jurídicas que possibilitem o acesso aos bens e utilidades indispensáveis a uma existência humana digna (“mínimo existencial”).35

Princípios são cumpridos em diferentes graus, podendo ser objeto de ponderação diante do caso concreto. Isso porque possuem a dimensão da importância (peso ou valor) e não apenas da validade, como ocorre com as regras. Por serem “mandamentos de otimização”, seu cumprimento deverá ocorrer na maior medida possível, de acordo com as possibilidades jurídicas e reais existentes.36 A noção de dignidade se concretiza histórico-culturalmente segundo a consciência jurídica de cada povo,37 sendo inegável que sociedades com maior desenvolvimento econômico e cultural terão melhores condições para promover os meios necessários a uma vida digna.

Os bens, valores e utilidades devem ser analisados de acordo com a sociedade, a época e o local. Por isso, a configuração do princípio da dignidade da pessoa humana, apesar de possuir um conteúdo universal mínimo, será variável no tempo e no espaço de acordo com o desenvolvimento social, econômico e cultural de cada sociedade.

A efetividade deste princípio na imposição de medidas positivas e, a fortiori, de prestações permanentes, dependerá das autoridades encarregadas de seu cumprimento e do maior ou menor aperfeiçoamento jurisdicional.38

“Mínimo existencial”

O mínimo existencial é usualmente associado ao princípio da dignidade da pessoa humana, ainda que seja decorrente também de outros princípios constitucionais.39 Apesar de não possuir um conteúdo específico, pode-se dizer que três direitos básicos integram a sua composição: saúde, educação e moradia.

Como núcleo dos direitos fundamentais, a dignidade se faz presente no conteúdo de todos eles, sem exceção, ainda que a intensidade seja variável. Apesar de desejável o acesso ao maior número possível de bens e utilidades, a ampliação demasiada do conteúdo deste princípio cria o sério risco de enfraquecimento de sua efetividade, podendo gerar um efeito contrário ao desejado. Por isso, a delimitação dos bens e utilidades mínimos indispensáveis.

O direito à saúde é objeto de controvérsias e discussões acaloradas. Não é pretensão deste estudo tratar da extensão do direito à saúde. Todavia, em se tratando de “mínimo existencial”, deve ser considerado judicialmente exigível do Estado, independentemente de qualquer condição ou limitação orçamentária (“reserva do possível”), apenas tratamentos, medicamentos e internações indispensáveis à sobrevivência do indivíduo.

O ensino fundamental obrigatório e gratuito é um dever constitucional imposto expressamente ao Estado brasileiro, por ser a educação imprescindível ao pleno desenvolvimento da personalidade, à igualdade material e à própria liberdade de consciência (CF, art. 208, I).

O direito à moradia impõe ao Estado o dever de possibilitar, aos indigentes e pessoas sem-teto, ao menos um lugar onde possam se recolher (“abrigos”). O dever do Estado, nesta hipótese, não pode ser estendido a ponto de impor a construção de moradias populares ou de habitações para a classe média, pois, apesar de enquadráveis dentro do direito social à moradia, dependem de políticas públicas e opções orçamentárias.40

O aspecto distintivo fundamental entre os direitos integrantes do mínimo existencial e os demais direitos sociais está no fato de que aqueles, por serem imprescindíveis a uma vida digna, não se submetem à “reserva do possível”.

A aplicação autônoma do princípio da DPH

Por ser fundamento e origem comum de todos os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana possui uma copiosa concretização no texto constitucional brasileiro, sendo rara uma situação não regulamentada de forma específica. Isso explica a dificuldade de se encontrar, na jurisprudência, decisões fundamentadas exclusivamente neste princípio.

Em quase todos os casos, será possível encontrar uma norma menos geral como, por exemplo, a que veda qualquer tipo de tratamento desumano ou degradante (CF, art. 5º, III). Isso nos leva a concluir que o princípio da dignidade da pessoa humana terá maior atuação em referência ao Legislativo e Executivo, principais responsáveis pelas medidas de proteção e promoção da dignidade.

Isso não significa, todavia, a impossibilidade de aplicação autônoma do princípio da dignidade da pessoa humana. Apesar de sua função construtiva dentro do ordenamento – característica de sua face principiológica –, os comandos normativos decorrentes da noção (tanto o princípio, quanto a regra) são aptos a serem aplicados aos casos concretos e a fundamentar autonomamente decisões judiciais.

No Direito Comparado, mais particularmente em Portugal e na França, é possível apontar três campos principais nos quais está se desenhando sua aplicação concreta: I – o correspondente aos atentados intoleráveis à pessoa humana; II – o ligado à distribuição das condições mínimas de vida; e, III – o relacionado às perspectivas abertas pelas novas tecnologias científicas no domínio da bioética.41

Na França, a noção de dignidade tem desempenhado um papel protetor crescente em benefício das pessoas mais vulneráveis, como doentes, assalariados, crianças, pessoas economicamente desfavorecidas e, mais recentemente, estrangeiros.42

A densificação conceitual do princípio da dignidade será maior na medida em que forem surgindo novos casos concretos. Se, em alguns, como na tortura, não há qualquer dificuldade em se detectar uma lesão, em outros a solução ainda é controversa. Por ter um caráter aberto, impreciso e pouco determinado, o princípio da dignidade da pessoa humana muitas vezes é invocado em questões sensíveis – como interrupção da gravidez, eugenia ou eutanásia – para fundamentar soluções diametralmente opostas.

Como todo princípio, o da dignidade também apresenta um número indefinido de hipóteses heterogêneas às quais poderá ser aplicado, não sendo possível determinar, a priori, todas elas. Seu componente relativo e situacional torna imprescindível o caso concreto para a análise precisa de um possível atentado.43 Dessa forma, sua densificação será ampliada na medida em que surgirem novos casos nos quais for observado algum tipo de lesão a este bem jurídico.44

Caráter relativo

A superioridade no plano axiológico faz com que parte da doutrina considere a dignidade da pessoa humana um direito absoluto.45 Contudo, nenhum direito, por mais importante, pode ser assim considerado, pois todos encontram limites estabelecidos por outros direitos igualmente consagrados no texto constitucional (princípio da relatividade ou da convivência das liberdades públicas). Se os indivíduos tivessem a prerrogativa de algum direito absoluto – observa Robert Alexy –, a relação com outros indivíduos detentores do mesmo direito seria problemática, tendo em vista a impossibilidade de uma “cedência recíproca” que, se ocorresse, inviabilizaria esta tese.46

Em virtude do princípio da unidade, não se pode estabelecer, em abstrato, uma hierarquia entre normas da Constituição. Havendo um conflito entre dois ou mais direitos constitucionalmente consagrados, apenas diante das peculiaridades do caso concreto será possível concluir acerca do peso relativo de cada um. É inegável, porém, que em virtude de seu elevado conteúdo valorativo, o princípio da dignidade da pessoa humana irá prevalecer sobre os princípios opostos na grande maioria dos casos, o que não significa a impossibilidade de um outro princípio se sobrepor a ele em determinadas hipóteses.47

Diante da existência de eventuais conflitos ou tensões entre a dignidade de mais de uma pessoa ou entre a vida e a dignidade, nem sempre será fácil a decisão sobre qual valor deverá prevalecer. O que é mais importante: a vida de um feto ou a autonomia da vontade da mãe para decidir sobre o que fazer com o próprio corpo? O direito a uma morte com dignidade ou a manutenção compulsória da vida em condições indignas e degradantes, marcada por grandes sofrimentos? A vida e a “dignidade” de um embrião resultante da fertilização in vitro a ser posteriormente descartado ou a possibilidade de salvar vidas e curar pessoas com os possíveis resultados de pesquisas com células-tronco embrionárias?48

Sem dúvida, essas questões não possuem uma única resposta racionalmente defensável. A solução passa necessariamente pela análise das circunstâncias fáticas e da concretização normativa dada ao princípio no ordenamento jurídico.

A DIGNIDADE COMO POSTULADO NORMATIVO

O reconhecimento do ser humano como o centro e fim dos ordenamentos jurídicos é uma característica do constitucionalismo contemporâneo. Valor essencial do Estado Constitucional Democrático, a dignidade impõe o reconhecimento do indivíduo como “limite e fundamento do domínio político da República”. A pessoa não deve ser tratada como um simples reflexo da ordem jurídica, mas como seu objetivo supremo. Na relação indivíduo/Estado, a presunção milita a favor do ser humano e de sua personalidade: o Estado existe para o homem; não o homem para o Estado.49

Dentro de uma graduação hierárquica dos valores jurídicos,50 a dignidade se encontra no grau mais elevado. Ainda que isso não signifique uma superioridade normativa capaz de invalidar outras normas constitucionais ou uma prevalência absoluta em caso de conflito, faz da dignidade uma importante diretriz a ser utilizada na criação e na interpretação das demais normas jurídicas. Nesse sentido, pode-se dizer que, além do duplo caráter normativo (princípio e regra), a dignidade atua também como um postulado normativo.51

TITULARIDADE

Diversamente do que ocorre em relação ao conteúdo jurídico, ainda em fase de construção, os titulares do direito e os destinatários dos deveres de respeito, proteção e promoção da dignidade são mais conhecidos e menos controversos.

Destinatários do direito

Por ser um atributo inerente a todo ser humano, enquanto ser dotado de razão, a dignidade não depende de qualquer circunstância, requisito, situação, comportamento ou característica mental, física ou anímica. A idade, o sexo, a nacionalidade, a raça, a inteligência, a saúde mental, a educação, a bondade, entre outros aspectos, são irrelevantes, pois a dignidade não representa a superioridade de um indivíduo sobre o outro, mas do ser humano sobre os demais seres. Por mais baixo que seja o nível de degradação de uma pessoa, ainda sim ela continuará tendo uma dignidade a ser respeitada.52

Portanto, todas as pessoas naturais, concreta e individualmente consideradas, dos nascituros aos que já faleceram, são titulares do direito ao respeito, proteção e promoção de sua dignidade.53 Tendo em vista a sua natureza, a titularidade deste direito não pode ser estendida aos órgãos estatais e às pessoas coletivas, morais ou jurídicas.54



Destinatários do dever

Em razão de seu poder, o Estado é, ao mesmo tempo, o mais susceptível a cometer uma violação à dignidade e o mais indicado para salvaguardá-la, motivo pelo qual é o principal destinatário do dever de respeito, proteção e promoção. Se o dever de proteção é atribuído exclusivamente aos poderes públicos (eficácia vertical), o dever de respeito (observância) atinge a todos, sem exceção, inclusive os particulares (eficácia vertical e horizontal).

No tocante ao dever de promoção, apesar de pertencer de forma especial ao Estado, a quem cabe promover o bem comum, dirige-se também aos responsáveis da sociedade civil, cabendo a ambos a criação das condições necessárias para o exercício dos direitos decorrentes da dignidade.55

DIGNIDADE HUMANA E DPH: QUEM DEVE DECIDIR?

Dentre os vários aspectos polêmicos envolvendo a dignidade da pessoa humana, está a questão da legitimidade para decidir sobre um eventual atentado. Quem deve dar a última palavra quando o assunto envolve uma suposta violação: a pessoa atingida ou os poderes públicos?

Para uma análise mais precisa do tema, vale trazer à lume o paradigmático caso do “arremesso de anão” (lancers de nain). Surgido na década de 80, nos Estados Unidos e na Austrália, o “espetáculo” no qual ocorria o lançamento de “pequenos dublês” na maior distância possível, como se fossem projéteis humanos, tornou-se a grande atração das casas noturna francesas. Por considerá-lo ofensiva à dignidade humana, a Administração Pública, utilizando-se do poder de polícia, determinou a paralisação da atividade. No recurso da decisão de 1a instância que anulou a interdição do espetáculo, o Comissário de Governo Frydman destacou que a violação da dignidade estava presente em dois aspectos preponderantes: a redução de um indivíduo ao estado de objeto e a exploração de sua deficiência como fruto da expressão de desprezo, agravada pela intervenção dos espectadores.56 No pólo oposto, utilizou-se o argumento de que a atividade permitia a estas pessoas sair do desemprego e reencontrar, com uma renda e uma profissão, um lugar na sociedade. Em última instância, o Conselho de Estado Francês entendeu que o respeito à dignidade é um dos componentes da ordem pública57 e interditou definitivamente o espetáculo por considerá-lo ofensivo não só à dignidade dos anões que dele participavam, mas também à dignidade abstrata da pessoa humana.

As circunstâncias do caso e a argumentação dos juízes administrativos fazem parecer que o respeito à dignidade é um princípio que escapa à vontade, à apreciação ou ao julgamento de seu titular. Essas contingências trazem à lume o questionamento: até que ponto uma autoridade pública tem legitimidade para apreciar e decidir o que é ofensivo ou não à dignidade de uma pessoa a ponto de impedi-la de levar uma vida da maneira que julgar mais conveniente?

Jean-Charles Froment, citado por Dominique Russeau, observa que a apreciação da dignidade pelo Conselho de Estado caso não é menos subjetiva que aquela recusada aos anões e questiona:


“Hoje quem poderia contestar que o problema econômico e social está no centro de uma vida digna, que o princípio da dignidade reside precisamente nos meios de levar uma vida econômica e socialmente decente? Não nos parece haver algo de moralmente agravante – de indigno – na vontade de escapar ao desemprego, [...], à solidão e ao desprezo da sociedade como um todo.”58


Na concepção adotada pelo Conselho de Estado Francês, a pessoa não teria liberdade para decidir em que circunstâncias sua dignidade estaria sendo violada, sendo necessária uma definição exterior, dada por uma “autoridade”. Nesse sentido, tratar-se-ia de um princípio capaz de se impor por si só, protegendo a pessoa inclusive contra ela mesma, uma peculiaridade que o afasta da visão adotada em relação aos direitos fundamentais que, apesar de irrenunciáveis, podem deixar de ser exercidos.59 Na visão de Benoît Jorion, essa concepção segundo a qual a dignidade da pessoa humana é concebida não como um direito do indivíduo, mas de uma dada comunidade ou mesmo da humanidade, seria um tanto absolutista.60

Trazendo a questão para a realidade brasileira, torna-se relevante assinalar, inicialmente, a diferença entre “dignidade humana” e “dignidade da pessoa humana”. Aquela se dirige à humanidade em geral, devendo ser “entendida ou como qualidade comum a todos os homens ou como conjunto que os engloba e ultrapassa”.61 A “dignidade da pessoa humana” deve ser interpretada como referida a cada pessoa individualmente considerada, “a todas as pessoas sem discriminações (universal) e a cada homem como ser autônomo (livre)”.62 Nesse sentido, a consagração da dignidade da pessoa humana afasta e repudia interpretações transpersonalistas ou autoritárias que permitam o sacrifício dos direitos ou mesmo da personalidade individual, em nome de pretensos interesses coletivos.63

Outro aspecto relevante a ser considerado é o de que o fundamento da dignidade reside na autonomia da vontade, entendida como “a livre autodeterminação de toda pessoa para atuar no mundo que a rodeia” ou, ainda, como uma “qualidade ínsita a todo ser humano e exclusiva do mesmo” que se traduz essencialmente na “capacidade de decidir livre e racionalmente qualquer modelo de conduta, com a conseqüente exigência de respeito por parte dos demais”.64 Havendo um desacordo moral razoável, isto é, “diante da ausência de consenso entre posições racionalmente defensáveis”, deve-se respeitar a valoração ética de cada um, cabendo ao Estado assegurar o exercício da autonomia privada e não impor externamente condutas imperativas.65

A Constituição de 1988 consagrou como fundamento do Estado brasileiro a “dignidade da pessoa humana”, devendo ser entendida como referida a todas as pessoas, mas, sobretudo, a cada pessoa concreta e individualmente considerada.66 Em condições normais, diante de um desacordo moral razoável, em se tratando de uma pessoa absolutamente capaz, a legitimidade para decidir em último grau, se há ou não uma violação à dignidade, deve ser atribuída ao indivíduo, não aos poderes públicos, o que não significa que, na hipótese de grave lesão, outros bens e interesses não possam prevalecer, uma vez que as circunstâncias específicas de cada caso concreto são determinantes para a ponderação e aplicação dos princípios.



NOTAS


1      Conforme a lição do Professor argentino Germán J. Bidart Campos, seja no jusnaturalismo, seja no positivismo, apesar de o recurso lingüístico aparentemente comum não ser unívoco quando se penetra no seu conceito, vocábulos como a dignidade humana são utilizados por ambos e, por menor que seja, possuem um denominador comum. As idéias sobre ela podem ser diversas, todavia, a noção de que o ser humano tem uma dignidade intrínseca e inata decorrente do simples fato de ser uma pessoa dificilmente seria negada (Dogmática constitucional de los derechos humanos: El derecho natural en el derecho constitucional de los derechos humanos, p. 10).

2      Carlos Roberto de Siqueira Castro observa que o postulado da dignidade humana “assumiu o papel de eixo central do Estado Democrático de Direito, cuja configuração [...] projeta-se hoje muito mais rumo à sociedade e ao mundo, do que propriamente em direção à organização do Estado e à tipologia dos poderes representativos da soberania” (O princípio da dignidade da pessoa humana nas Constituições abertas e democráticas, p. 108).

3      Acerca dessa dificuldade, Francisco Fernández Segado assinala que “a maior problemática que havia de suscitar esta elevação da dignidade do ser humano à categoria de núcleo axiológico central da ordem constitucional consistia precisamente em definir o quê havia de se entender por ‘dignidade do homem’” (La dignidad de la persona como valor supremo del ordenamiento jurídico, p. 100).

4      BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro: pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo, p. 49.

5      MOUTOUH, Hugues. La dignité de l’homme en droit, p. 160.

6      Sobre a dignidade na visão da Igreja Católica, cf. VERGÉS RAMÍREZ, Salvador. Derechos humanos: fundamentación, pp. 90-91.

7      MAGALHÃES FILHO, Glauco B.. Hermenêutica e unidade axiológica da Constituição, pp. 143-144.

8      SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, p. 32.

9      Posteriormente, no século XIX, o “Humanismo” teve como ponto central justamente a revalorização do homem e de sua dignidade, ainda que esta afirmação deva ser feita matizadamente, em seu universo objetivista e ordenado. MARTÍNEZ, Peces-Barba. Historia de los derechos fundamentales, pp. 70-72.

10   MOUTOUH, Hugues. Op. cit., p. 160.

11   KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes, p. 68.

12   Ibidem, p. 79.

13   ANDRADE, J. C. Vieira de. Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 110.

14   Ibidem, p. 93.

15   A partir desta origem etimológica, Luis Aníbal Avilés Pagán afirma que a “dignidade humana se refere ao valor intrínseco da pessoa humana” (Human dignity, privacy and personality rights in the constitutional jurisprudence of Germany, the United States and the commonwealth of Puerto Rico, p. 345).

16   JORION, Benoît. La dignité de la personne humaine, p. 200.

17   ALEGRE MARTÍNEZ, Miguel Ángel. La dignidad de la persona como fundamento del ordenamiento constitucional español, p. 21.

18   JORION, Benoît. Op. cit., pp. 215-216.

19   Pérez Luño assinala que a dignidade humana “se identifica com o que em certas ocasiões também se denomina de liberdade moral e se acha estreitamente relacionada com a igualdade, entendida como paridade de estimação social das pessoas” (Derechos humanos, Estado de Derecho y Constitución, p. 318).

20   MIRANDA, Jorge. A Constituição e a dignidade da pessoa humana, p. 476.

21   SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 44.

22   BARROSO, Luís Roberto. Op. cit., p. 51.

23   A eficácia jurídica dos princípios constitucionais, p. 118.

24   Além deste, há outros dispositivos constitucionais referentes à dignidade (arts. 170; 226, § 7º; 227 e 230). A dignidade da pessoa humana é uma cláusula pétrea implícita. Se os direitos e garantias individuais estão protegidos contra a atuação do poder reformador por derivarem diretamente da dignidade (art. 60, § 4º, IV), é legítimo concluir que, enquanto núcleo e fundamento desses direitos, a dignidade também deve gozar de proteção qualificada.

25   Nesse sentido, ALPA, Guido. Dignità: Usi giurisprudenziali e confini concetuali, p. 415.

26   A afirmação parte da premissa de que norma e texto de norma (dispositivo) não se confundem. Por certo, um dispositivo pode conter várias normas, assim como uma norma pode surgir a partir de vários dispositivos. Sobre a não identificação entre texto da norma e norma, Canotilho observa que o primeiro é o “sinal lingüístico”, enquanto a segunda é o que se “revela” ou se “designa” (Op. cit., p. 1.181).

27   Entendida como uma norma jurídica que impõe resultados, aplicável na medida exata de suas prescrições (“mandamentos de definição”). Verificada a hipótese nela prevista, seu mandamento deverá ser aceito.

28   Nesse sentido, o entendimento adotado pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha em decisão mencionda por Francisco Fernández Segado (La dignidad de la persona como valor supremo del ordenamiento jurídico, p. 110).

29   GONZALES PEREZ, Jesús. La dignidad de la persona, pp. 112-116. A partir desses critérios, o autor indica as relações nas quais os atentados contra essa noção normalmente se manifestam: relações entre pessoas, relação com o mundo exterior e em determinadas atividades.

30   Francisco Javier Díaz Revorio adverte que “os problemas relativos à manipulação genética demandam uma nova concepção da dignidade humana, que proteja não apenas a pessoa concreta e atual, mas também às futuras gerações de cujo destino somos responsáveis; por isso, o significado concreto do mandamento de respeitar a dignidade resultará da evolução histórica e do nível de consciência” (Valores superiores e interpretación constitucional, pp. 546-547)

31   D. Fenouillet afirma ser incontestável que a clonagem é uma prática que toca a pessoa em seu corpo, que “rebaixa o homem a ser somente uma substância física, suporte corporal: de uma parte porque nega a singularidade do ser humano usado para se reproduzir, de outra porque chama à vida um ser humano que é coisificado (“réifie”) ao ser transformado em simples meio ao serviço de um fim: preparar uma pessoa particularmente talentosa para uma determinada função; consolar os parentes afetados pela perda de um ente querido, fazendo nascer sua cópia genética; satisfazer o desejo de eternidade; constituir um reservatório de órgãos” (Apud MOUTOUH, Hugues. Op. cit., p. 171).

32   Franck Moderne cita como exemplos a procriação médica assistida, o transexualismo, experimentações sobre o homem, interrupção voluntária da gravidez, esterilização, pesquisas de identificação genética, transplante de órgãos, eutanásia, manipulações genéticas entre outros (La dignité de la personne comme principe constitutionnel dans les constitutions portuguaise et française, p. 226).

33   JORION, Benoît. Op. cit., p. 208.

34   Sobre a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988, cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit., pp. 141 e ss.

35   Conforme assinalado por Vieira de Andrade, “os direitos a prestações sociais respondem à constatação histórica e prática de que não há liberdade nem dignidade dos homens concretos sem um mínimo de condições materiais de existência” (Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 99).

36   ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales, pp. 86-87.

37   MIRANDA, Jorge. Op. cit., p. 476.

38   JORION, Benoît. Op. cit., p. 208.

39   O Tribunal Constitucional Federal da Alemanha tem deduzido da combinação do princípio da dignidade da pessoa humana com o princípio do Estado Social um direito a um “mínimo vital” (JORION, Benoît. Op. cit., pp. 206-207). Por sua vez, Ricardo Lobo Torres assinala que “o mínimo existencial não tem dicção constitucional própria. Deve-se procurá-lo na idéia de liberdade, nos princípios constitucionais da igualdade, do devido processo legal, da livre iniciativa e da dignidade do homem, na Declaração dos Direitos Humanos e nas imunidades e privilégios do cidadão” (A cidadania multidimensional na era dos direitos, p. 262).

40   TORRES, Ricardo Lobo. Op. cit., p. 285.

41   MODERNE, Franck. Op. cit., p. 212.

42   MOUTOUH, Hugues. Op. cit., pp. 173-174.

43   EZCURDIA LAVIGNE, Jose A. Perspectivas Iusnaturalistas de los derechos humanos, p. 27. O Tribunal Constitucional Alemão já deixou consignado que “não se pode dar uma resposta geral, devendo sempre ser levado em conta o caso concreto”, pois tudo dependerá da constatação das circunstâncias nas quais a dignidade poderá ser violada (ALEXY, Robert. Op. cit., p. 106).

44   Apesar dos “valores fundamentais da existência humana não adquirirem um conteúdo diferente segundo as circunstâncias e o momento” – observa Ernest Benda –, “somente resulta possível reconhecer e apreender juridicamente seus aspectos essenciais quando se acham real ou potencialmente ameaçados” (Op. cit., p. 126).

45   Nesse sentido: SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, p. 94; e ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, p. 178.

46   Na opinião de Robert Alexy, a impressão de que o princípio da dignidade é absoluto resulta do fato de existirem duas normas (uma regra e um princípio), bem como da existência de uma série de condições sob as quais o princípio da dignidade da pessoa, com um alto grau de certeza, precede a todos os demais princípios. No seu entender, a regra é que é absoluta, pois, “devido a sua abertura semântica, não necessita de uma limitação com respeito a nenhuma relação de preferência relevante” (Op. cit., pp. 108-109).

47   Como exemplo, Alexy comenta o decisum do Tribunal Constitucional Federal alemão sobre a prisão perpétua, no qual a proteção da “comunidade estatal”, naquelas circunstâncias específicas, prevaleceu sobre o princípio da dignidade. Na decisão, o Tribunal entendeu que a dignidade de uma pessoa não é lesionada quando a execução da pena perpétua é necessária devido à permanente periculosidade do detido, sendo que, por este motivo, o indulto não estaria permitido (Op. cit., p. 106).

48   Algumas dessas relevantes questões estão em discussão no Supremo Tribunal Federal. A possibilidade de antecipação terapêutica do parto, nas hipóteses de anencefalia é objeto do pedido da ADPF nº 54. A constitucionalidade da Lei de Biossegurança, que autoriza a pesquisa com células-tronco embrionárias, foi discutida na ADI nº 3.510, tendo o Tribunal decidido pela liberação de tais pesquisas. Para uma análise detalhada, cf. BARROSO, Luis Roberto. Gestação de fetos anencefálicos e pesquisas com células-tronco: dois temas acerca da vida e da dignidade na Constituição.

49   CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 225.

50   Miguel Reale observa que, apesar de sua incomensurabilidade, é possível fazer em termos relativos – com referência a uma sociedade em determinada época –, uma graduação ou ordenação do valioso. Essa graduação hierárquica é uma das características inerentes aos valores (Filosofia do Direito, pp. 189 e ss).

51   Os postulados normativos estão situados no terreno das metanormas, não se confundindo com os princípios e as regras. Caracterizam-se por impor um dever de segundo grau consistente em estabelecer a estrutura de

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