Por Daniel Neves
Em tema enfrentado com extrema raridade pela
doutrina, encontrando-se na doutrina nacional de forma mais aprofundada apenas
as lições de Candido Rangel Dinamarco[1], encontra-se o instituto do
litisconsórcio alternativo. Pergunta o processualista: “Será lícito
comparecerem dois autores, na dúvida sobre qual deles seja o verdadeiro credor,
pedindo que o juiz emita um provimento contra o adversário comum, em benefício
de um dos dois (cúmulo alternativo)?”
O instituto do litisconsórcio alternativo
representa, portanto, a possibilidade aberta ao autor para demandar duas ou
mais pessoas quando tenha dúvidas fundadas a respeito de qual delas,
efetivamente, deveria participar no pólo passivo da demanda. Na realidade, a
construção do instituto do litisconsórcio alternativo atinge também o pólo
ativo, quando exista dúvida fundada a respeito de quem seja o titular do
direito a ser discutido no processo. O que caracteriza, fundamentalmente, o
litisconsórcio alternativo, é a indefinição a respeito do sujeito legitimado a
litigar, seja no pólo ativo, seja no pólo passivo da demanda.
Observe-se que o litisconsórcio alternativo
não se confunde com o litisconsórcio eventual ou sucessivo. Nestes, a parte
sabe, com precisão, quem são os sujeitos que devem participar da relação
jurídica processual e o fator que caracteriza essa espécie de litisconsórcio é
a cumulação de pedidos dirigidos contra ou por sujeitos distintos, que formarão
o litisconsórcio; somente é possível o acolhimento do segundo pedido se for
acolhido o primeiro ou ainda que o segundo seja acolhido não o sendo o
primeiro. Rodrigo Reis Mazzei, em artigo específico sobre o tema, ainda não
publicado e cedido gentilmente pelo autor, dá como exemplos de litisconsórcio
sucessivo as hipóteses previstas nos arts. 1698 e 928, parágrafo único, do
CC[2].
As precisas lições do mestre capixaba
reforçam a idéia de que, nas hipóteses de litisconsórcio sucessivo, não existe
dúvida quanto à legitimidade; essa diferença é essencial para conceituar tal
listisconsórcio de maneira diversa do alternativo, ora analisado[3]. A
distinção, inclusive, afasta o instituto do objeto do presente estudo, apesar
de sua inegável complexidade e importância prática.
Alguns exemplos para justificar a construção
são dados por Dinamarco, em sua maioria retirados das lições a respeito do tema
dos italianos Giuseppe Tarzia e Ludovico Mortara, com as devidas citações.
Aponta, primeiramente, para a hipótese de duas ou mais pessoas jurídicas,
componentes do mesmo grupo econômico, realizarem diversos negócios jurídicos
com terceiro de forma que não se saiba, com exatidão, qual delas é a
efetivamente legitimada a propor a demanda, o que somente restará demonstrado
com a análise de documentos em poder da parte contrária. Afirma que, nesse
caso, será possível uma cumulação subjetiva eventual no pólo ativo, de modo até
mesmo a evitar a propositura de ações conexas – mesma causa de pedir –
propostas em separado por tais pessoas jurídicas, a fundamentar o
litisconsórcio no art. 46, inc. III, do CPC[4].
Esse é um bom exemplo também para o pólo
passivo da demanda, em situações nas quais o autor não tem a exata concepção de
quem realmente deverá tal pólo processual. Atualmente, são tantas as empresas
criadas por um mesmo grupo econômico, por exemplo, que, muitas vezes, existe a
real dificuldade em individualizá-las no tocante a quem, efetivamente,
participou da relação jurídica de direito material e que, por essa razão,
deverá figurar no pólo passivo da demanda. Um mesmo conglomerado financeiro
exerce atividades de banco, financiadora, seguradora, administradora etc.,
exercidas por pessoas jurídicas diferentes, o que nem sempre fica muito claro
para aqueles que com esse conglomerado fazem negócios.
Nesse tocante, é importante ressaltar algumas
particularidades do direito consumerista, em que a figura do litisconsórcio
alternativo deve ser tratada de forma diferenciada. Para análise, demanda-se o
enfrentamento de duas situações distintas em decorrência da aplicação do art.
7º, parágrafo único, e 12 e 13, do CDC.
O art. 7º, parágrafo único, do CDC, vem assim
redigido: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente
pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”. Esse dispositivo
constitui a regra geral de responsabilidade solidária entre todos os
fornecedores que participaram da cadeia de fornecimento do serviço ou produto
perante o consumidor. A regra justifica-se pela responsabilidade objetiva
adotada pelo CDC, que dispensa a culpa como elemento da responsabilidade dos
fornecedores[5]. Dessa maneira, independente de a culpa não ser do fornecedor
demandado, ou não ser de todos os fornecedores demandados, haverá a condenação
de quem estiver no pólo passivo a indenizar o consumidor; assim, é inviável
imaginar, em uma situação tratada à luz do dispositivo legal comentado, uma
sentença terminativa por ilegitimidade de parte se for comprovado que a culpa
não foi daquele fornecedor demandado.
Em razão da solidariedade entre todos os
fornecedores e de sua responsabilidade objetiva, o consumidor poderá optar
contra quem pretende litigar. Poderá propor a demanda a buscar o ressarcimento
de seu dano somente contra um dos fornecedores, alguns, ou todos eles. A
doutrina que já enfrentou o tema aponta acertadamente para a hipótese de
litisconsórcio facultativo, considerando ser a vontade do consumidor que
definirá a formação ou não da pluralidade de sujeitos no pólo passivo e mesmo,
quando se formar o litisconsórcio, qual a extensão subjetiva da pluralidade[6].
Nesse caso, portanto, de responsabilidade solidária
e objetiva dos fornecedores, não será aplicável o instituto do litisconsórcio
alternativo, pois, ainda que exista uma dúvida fundada por parte do consumidor
sobre quem foi o causador direto de seu dano, a legislação consumerista,
expressamente, atribui a responsabilidade a qualquer dos fornecedores que tenha
participado da cadeia de produção do produto ou da prestação do serviço. Por
ser inviável antever a ilegitimidade de qualquer deles, ainda que nenhuma culpa
tenha no evento danoso, pouco importa, para os fins do processo, a
individualização do fornecedor que tenha sido o responsável direto pelo dano,
de modo que é inviável, nesse caso, falar em litisconsórcio alternativo.
Essa disposição do CDC, repetida em outras
normas do diploma consumerista – como os arts. 18, caput, 19, caput, 25, §§ 1º
e 2º, art. 28, § 3º, e art. 34 –, é demonstração clara de proteção ao
consumidor, que não poderia ser afetado por incertezas a respeito de qual dos
fornecedores foi o responsável direto pela ofensa a seus direitos. A idéia é
que os fornecedores, solidariamente, respondam perante o consumidor
independente de sua culpa no caso concreto; assim, é lícito àquele que pagou e
que não teve culpa ingressar com ação de repetição de indébito contra o
fornecedor causador direto do dano. A proteção do consumidor, a criar um
litisconsórcio facultativo entre os fornecedores, afasta, por completo, a
necessidade do litisconsórcio alternativo.
Registre-se que a melhor doutrina aponta para
a possibilidade de o fornecedor condenado a satisfazer o consumidor, caso não
tenha tido culpa no evento danoso, ou ainda que a culpa não tenha sido
exclusivamente sua, ingressar com outro processo perante o fornecedor culpado
pelo dano para receber aquilo que pagou ao consumidor[7]. O direito de
regresso, entretanto, não poderá ser exercido no próprio processo em virtude da
proibição explícita do art. 88 do CDC, que impede a denunciação da lide nas
demandas consumeristas. A disposição tem o fim de evitar complicações
procedimentais naturais da ampliação subjetiva da relação jurídica processual,
o que poderia trazer desvantagens ao consumidor[8].
Questão mais interessante vem da aplicação
conjunta dos arts. 12 e 13 do CDC; indica o primeiro a responsabilidade
solidária do fabricante, produtor, construtor e importador pela reparação de
danos causados aos consumidores por defeito no produto, já o segundo
dispositivo prevê uma responsabilidade subsidiária do comerciante desde que: “I
– o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser
identificados; II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu
fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar
adequadamente os produtos perecíveis”.
Apesar de forte corrente doutrinária entender
que, nesse caso, o comerciante também terá responsabilidade de ressarcir o
consumidor, ainda que possa, depois de satisfazê-lo, pleitear o ressarcimento
perante o fabricante, produtor, construtor e importador[9], a leitura conjunta
dos dois dispositivos legais anteriormente referidos demonstra que, ao ser
verificada uma das hipóteses previstas pelo art. 13 do código consumerista, o
comerciante não responderá perante o consumidor, por ser parte ilegítima para
figurar no pólo passivo do processo, em razão de sua responsabilidade somente
subsidiária, não solidária[10]. A hipótese que mais interesse traz ao presente
trabalho é certamente aquela prevista pelo referido art. 13, inc. III, do CDC,
que trata da causa excludente de responsabilidade do comerciante nos casos em
que tenha conservado adequadamente produtos perecíveis.
Nessa hipótese, estar-se-á diante de típica
situação em que o instituto do litisconsórcio alternativo poderá ser aplicado.
É evidente que, em relação ao consumidor, existirão situações em que
dificilmente conseguirá determinar, com exatidão, o responsável pelos defeitos
do produto, sabendo somente que adquiriu de um determinante comerciante um
produto perecível, o qual, por não estar no estado esperado, causou-lhe um
dano. A dar o exemplo de um iogurte estragado ingerido pelo filho do
consumidor, Luiz Antonio Rizzato Nunes[11] afirma que, em casos como esse, “não
é tão simples determinar quando e onde ocorreu a deterioração do produto
perecível”.
Resta evidente que essa seria uma hipótese em
que a fixação da legitimidade passiva somente poderá ser clarificada com a
produção da prova pericial, pela qual se descobrirá, afinal, se o comerciante
teve os cuidados necessários na conservação dos produtos perecíveis. Caso a
prova técnica a ser produzida indique que o defeito do produto nada teve a ver
com a conservação deste pelo comerciante, não haverá qualquer responsabilidade
em ressarcir o consumidor, considerando até mesmo sua ilegitimidade passiva para
figurar na demanda judicial. O consumidor, nesse caso, ingressaria com o
processo contra os sujeitos que participaram da cadeia de produção do produto,
formando um litisconsórcio alternativo em razão da dificuldade em aferir, no
início da demanda, a responsabilidade ou não – e conseqüentemente sua
legitimidade – do comerciante.
Outro exemplo, dado por Cândido Rangel
Dinamarco[12], refere-se a pessoa que “haja participado de negócio, sem ficar
claro a ela própria se o fez em nome próprio, ou como representante de outrem.
Se for o caso de vir a juízo poderá ela comparecer em litisconsórcio com o
possível representado, postulando um provimento de mérito a favor de um ou de
outro deles; se for o caso de mover-lhe ação, poderá o adversário demandar a
quem negociou e ao seu possível representado, para que um deles seja atingido
pelo julgamento do mérito e o outro, considerado parte ilegítima
(litisconsórcio alternativo passivo)”.
Aos exemplos dados pelo processualista
paulista poderiam ser acrescidos outros, o que, entretanto, não se faz
necessário, por serem suficientes os apresentados para a visualização de
algumas hipóteses em que teria cabimento o litisconsórcio alternativo. O
fenômeno processual sugerido somente passa a fazer sentido no momento em que se
percebe nem sempre ser a questão da legitimidade – ativa ou passiva –facilmente
resolvida antes da propositura da demanda judicial, o que resta claro somente
após a produção de provas. Nesses casos, em que exista uma dúvida fundada a
respeito da legitimidade, permitir-se-ia à parte a formação de um
litisconsórcio mesmo que se saiba que nem todos os sujeitos participantes do
processo deveriam estar ali; o problema seria, justamente, determinar quem
deveria e quem não deveria participar da relação jurídica processual.
Existirá, claro, problema a ser resolvido no
tocante à condenação nas verbas de sucumbência com relação à parte tida por
ilegítima ao final do processo. Quem deverá arcar com tais verbas? O sujeito
que não deveria ter sido parte no processo ou aquele que inclui o sujeito que
não tinha legitimidade? Parece ser mais correto aplicar-se ao caso a regra da
causalidade, pela qual deverá responder pelas verbas de sucumbência aquele que
deu causa à demanda[13].
Ao ser demonstrada que a dúvida surgida quanto
à legitimidade não é de nenhuma responsabilidade do sujeito que venha a ser
considerado parte ilegítima, não haverá qualquer razão para arcar com as verbas
de sucumbência. Esse seria mais um problema a ser enfrentado pelo demandante.
Independente desse problema, o instituto do
litisconsórcio alternativo gera uma nova e clara utilidade para ação probatória
autônoma com a função de demonstrar, mais claramente, que sujeito tem
legitimidade para participar da relação jurídica processual. Ainda que o problema
de indefinição quanto à legitimidade repita-se na ação probatória autônoma, é
inegável que os transtornos criados por tal instituto serão de menor monta em
um processo que tenha como único e exclusivo objetivo a produção de prova que
indique a legitimidade. Ao invés de forçar uma parte ilegítima a participar de
todo o processo de conhecimento, com a demora e os custos típicos de tal
espécie de processo, a participação desse sujeito ficaria limitada a um
processo judicial bem mais simples, rápido e barato, em manifesto benefício ao
sistema processual.
Cumpre registrar que, nos países em que se
adota o instituto das diligencias preliminares, como Espanha, Argentina,
Uruguai, Chile e Bolívia, existe uma hipótese de cabimento específica
concernente à fixação da legitimação do pólo ativo e passivo – cada qual com
suas particularidade –, como forma de permitir ao autor o ingresso do “processo
principal” somente contra sujeitos legitimados.
Realça-se, nesse caso, a função primordial
desse instituto: preparar a futura demanda judicial, de modo a evitar os
percalços de ingresso de demanda judicial contra parte ilegítima, ainda que em
litisconsórcio com a parte legitimada. Prepara, portanto, um processo
formalmente regular no tocante aos seus elementos subjetivos.
Na Espanha, a previsão se encontra no art.
256, 1º, da LEC; na Argentina, no art. 323, 1, do CPCCN; no Uruguai, no art.
306, 1, e 309, 1, do CGP; no Chile, no art. 273, do CPC, e, na Bolívia, no art.
319, 1, do CPC. Apesar da fonte comum, existem algumas diferenças entre as
disposições legais mencionadas que fazem necessária uma análise individualizada
dos diferentes ordenamentos.
O art. 256, 1º, da LEC da Espanha encontra-se
assim redigido:
“Por petición de que la persona a quien se
dirigiria la demanda declare, bajo juramento o promesa de decir verdad, sobre
algún hecho relativo a su capacidad, representación o legitimación, cuyo
conocimiento sea necesario para el pleito, o exhiba los documentos en los que
conste dicha capacidad, representación o legitimación”.
Da literalidade do texto, é possível perceber
uma restrição do âmbito de aplicação do instituto, porquanto somente a questão
referente ao pólo passivo da demanda poderá ser objeto de esclarecimento
anterior à propositura da demanda por meio das diligencias preliminares.
Apesar da restrição suscitada, o dispositivo
permite o esclarecimento a respeito de diferentes aspectos do réu e não somente
da legitimação, o fenômeno tratado no presente tópico. Assim, será possível o
ingresso de diligencias preliminares para verificar a capacidade jurídica do
sujeito, que se confunde com sua capacidade de ser parte, aspecto do fenômeno
que efetivamente importa ao processo judicial. Naturalmente, essa demanda
dificilmente será proposta contra pessoa física, que adquire a capacidade de
ser parte com a concepção e perde-a com a morte, sendo mais factível
imaginarem-se hipóteses envolvendo pessoas jurídicas[14]. Há também a
possibilidade de ingresso de diligencia preliminar para a verificação da
capacidade de estar em juízo do sujeito, a significar sua capacidade de
praticar atos processuais validamente sem que para isso seja assistido ou
representado.
Quanto à representação, a melhor doutrina
entende que a finalidade da diligencia preliminar é descobrir se o sujeito que
participou da relação de direito material que será o objeto do futuro processo
o fez como representante de um incapaz, de uma sociedade, ou ainda
representante civil de qualquer outra pessoa ou entidade. Essa verificação se
fará necessária para que o autor saiba, com exatidão, a quem atribuir as
conseqüências de seus atos, a ele mesmo ou ao sujeito representado; isso
significa dizer que a diligencia preliminar terá, ao fim e a cabo, auxiliado o
autor a determinar qual sujeito deverá ser a parte legítima da ação judicial.
Apesar de a lei mencionar a representação, trata-se, na verdade, de hipótese em
que a descoberta de tal representação influirá na determinação do sujeito que
deverá compor o pólo passivo da demanda[15].
Finalmente, essa espécie de diligencia
preliminar tem o condão de estabelecer a legitimidade do sujeito para figurar
no pólo passivo e abrange, segundo a doutrina, as mais diversas situações em
que exista uma dúvida fundada a respeito dessa condição da ação[16]. A
verificar-se a dúvida fundada a respeito de qual o sujeito é efetivamente o
legitimado a compor o pólo passivo, condição sine qua non para que seja
admitida essa diligencia preliminar[17], abrir-se-á à parte a oportunidade de
verificar perante o suposto legitimado se é efetivamente ele quem deverá compor
o pólo passivo da demanda; é também possível que, em caso de dúvida entre dois
ou mais sujeitos, chamem-se todos a juízo para obter-se tal esclarecimento, em
fenômeno muito próximo do litisconsórcio alternativo ora analisado.
O ponto peculiar do direito espanhol é que
este admite a confissão nessa diligencia preliminar, o que não se admite,
conforme já visto, nas ações probatórias autônomas do direito brasileiro[18].
De qualquer forma, é interessante perceber que o procedimento dessa diligencia
preliminar consistirá na oitiva do demandado – pela qual será possível a
obtenção da confissão – ou a exibição de documento que demonstre qual o sujeito
que deverá compor o pólo passivo da demanda. Como se percebe, são procedimentos
plenamente compatíveis – exceto a figura da confissão – ao direito brasileiro,
no qual, além da prova oral e documental, parece ser possível também a prova
pericial, inclusive em hipótese como a já analisada, a respeito de produtos
perecíveis que causem dano ao consumidor.
O art. 323, 1, do CPCCN argentino dispõe:
“Que la persona contra quien se proponga dirigir la demanda preste declaración
jurada, por escrito y dentro Del plazo que fije el Juez, sobre algún hecho
relativo a su personalidad, sin cuya comprobación no pueda entrarse en juicio”.
A redação do dispositivo legal segue a antiga redação da legislação espanhola
ao apontar para direito relativos à personalidade; não resta dúvida,
entretanto, que estão incluídos os direitos relativos à capacidade, representação
e em especial à legitimação[19].
A legislação argentina é mais restrita que a
espanhola a respeito do procedimento a ser adotado nessa espécie de diligencia
preliminar, considerando que não há qualquer menção à possibilidade de exibição
de documentos que possam auxiliar na fixação da legitimação passiva. Segundo a
redação do dispositivo legal ora analisado, somente haverá espaço para a
manifestação do demandado, que deverá ser feita por escrito por meio de
declaração juramentada. A restrição não parece ser tão absoluta quanto parece,
ao menos no tocante à forma de manifestação do demandado, já que existem
províncias argentinas que permitem a oitiva do demandado em audiência, como
previsto no art. 489 da Lei 8.465/95 (Código de Procedimientos de la Província
de Córdoba).
Há dois aspectos interessantes a serem
analisados nessa espécie de diligencia preliminar no direito argentino. Em
primeiro lugar, as conseqüências da ausência de resposta por parte do demandado
ou ainda da verificação de respostas evasivas que, na verdade, nada esclarecem.
Segundo a previsão do art. 324 do CPCCN, tal atitude do demandado fará com que
se tenham os fatos consignados como verdadeiros, em nítida aplicação da ficta
confessio, admitida pela doutrina espanhola. O dispositivo legal, entretanto, é
bastante claro ao apontar que essa confissão poderá ser afastada em virtude de
outras provas produzidas no processo principal[20].
Em segundo lugar, afirma a melhor doutrina
que, no caso de o demandado, maliciosamente, levar o demandante a crer sobre
sua legitimidade passiva e somente no processo principal demonstrar que não tem
a legitimidade exigida, apesar de o processo ser extinto sem o julgamento de
mérito o demandado será condenado a pagar as verbas de sucumbência. Leva-se em
conta a regra da causalidade, considerando que o demandado foi o responsável
pela propositura equivocada em termos subjetivos da demanda judicial[21]. Não
será, entretanto, uma atitude muito inteligente, porque, já demandado na
diligencia preliminar, poderia perfeitamente demonstrar sua ilegitimidade
passiva, o que o dispensaria de compor o pólo passivo do processo principal.
No processo uruguaio, a previsão legal geral
a respeito da diligencia preliminar ora analisada encontra-se no art. 306, 1,
do CGP: “determinar o completar la legitimación activa o passiva de las partes
en el futuro proceso”. O art. 309, 1, do CPC, especifica essa hipótese de
diligencia preliminar e indica, inclusive, seu procedimento. A literalidade do
dispositivo legal demonstra sua maior amplitude subjetiva se for comparada com
as previsões legais constantes do ordenamento espanhol e argentino. A definição
da legitimação não se limita ao pólo passivo da demanda, pois também é
admissível quando existir dúvida a respeito do pólo ativo que deverá ser
formado no futuro processo judicial.
Diferentemente do direito argentino, o
direito uruguaio exige do autor uma indicação precisa de suas perguntas já na
petição inicial e prevê que a resposta ocorra por escrito; sempre que
necessário, haverá a realização de uma audiência após a apresentação da defesa
escrita[22].
De maneira mais clara do que no direito
argentino, há previsão expressa no art. 309, 1, do CGC, de que também ocorrerá
a ficta confessio no caso de omissão nas respostas às questões elaboradas ou
diante de respostas evasivas. A exemplo do que ocorre no direito argentino, o
dispositivo legal indica expressamente que a presunção gerada nas diligências
preliminares poderá ser afastada em razão de provas produzidas no “processo principal”
que indiquem a ilegitimidade passiva do demandado. O grande mérito do
dispositivo legal é prever expressamente que o juiz deve, nesse caso, se
entender que a demanda não teria existido se não tivesse ocorrido a confissão
na diligência preliminar, impor ao demandado “las máximas sanciones procesuales
al demandado ganancioso”, o que significa que será condenado por custas,
despesas e honorários advocatícios[23].
No Chile, o instituto é chamado de medida
prejudicial, prevista no art. 273, 1, do CPC: “Declaración jurada acerca de
algún hecho relativo a su capacidad para parecer en juicio, o a su personería o
al nombre y domicilio de sus representantes”. Percebe-se pela redação do
dispositivo legal que há, no direito chileno, apenas uma especialidade digna de
nota. A medida prejudicial – instituto similar às providências preliminares –
pode ser utilizada para descobrir o nome do demandado, o que é mais específico
que saber quem será, e também para descobrir o domicílio dos representantes do
demandado.
Em trabalho de maior fôlego[24], procurei
demonstrar a importância para o direito brasileiro da adoção de uma ação
probatória autônoma, desvinculada dos tradicionais requisitos cautelares.
Dentre as várias utilidades práticas imaginadas com a adoção dessa espécie de
demanda judicial, que teria como objeto exclusivamente a produção probatória,
visualizasse a preparação de outras demandas, no caso, da descoberta do pólo
passivo da demanda, como ocorre com as diligencias preliminares analisadas.
Apesar de não se tratar de identidade plena
do instituto das diligencias preliminares com a ação probatória autônoma
sugerida, fica evidente que, nos países indicados, também existe a dificuldade,
em certas circunstâncias, de determinar-se a legitimação dos sujeitos que
deverão compor os pólos da relação jurídica do “processo principal”. Nesses
países, a própria legislação resolve o problema a prever um processo prévio
para que as dúvidas sejam afastadas e proponha-se o processo regular do ponto
de vista subjetivo.
Em conclusão, apesar da sugerida ação
probatória autônoma não afastar por completo a existência do litisconsórcio
alternativo, é bastante claro ser mais benéfico ao demandado que não é parte
legítima e, por conseqüência, também ao próprio sistema processual, participar
de um processo bem mais simples, barato e rápido que tenha como objeto
exclusivo a prova de fatos que esclareçam a dúvida a respeito da legitimidade.
Manter-se-ia a figura do litisconsórcio alternativo na ação probatória
autônoma, mas o fenômeno se tornaria totalmente dispensável no processo
principal.
[1] Cf. Litisconsórcio. 7. ed. São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 391.
[2] “Art. 1.698. Se o parente, que deve
alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o
encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as
pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos
respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser
chamadas a integrar a lide”; “Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que
causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou
não dispuserem de meios suficientes. Parágrafo único. A indenização prevista
neste artigo, que deverá ser eqüitativa, não terá lugar se privar do necessário
o incapaz ou as pessoas que dele dependem”. No direito português, encontra-se
positivado, no art. 31º-B, CPC o litisconsórcio sucessivo, como o nome
“pluralidade subjectiva subsidiária”. José Lebre de Freitas, Código de Processo
Civil anotado, cit., v. I, p. 70, aponta a utilidade do instituto para as
hipóteses de responsabilidade subsidiária.
[3] Rodrigo Reis Mazzei “Litisconsórcio
sucessivo: breves considerações”. In: Teresa Arruda Alvim Wambier, Glauco
Gumerato Ramo e Sergio Shimura (Coords.). Atualidades do processo civil de
conhecimento. São Paulo: RT, 2006 (no prelo): “A seguir os caminhos que estamos
traçando no texto, como ponto de partida para a configuração do litisconsórcio
sucessivo, na ação deverá constar – pelo menos – dois pedidos não idênticos,
sendo que o segundo pedido (secundário) somente será analisado se ultrapassado
o primeiro pleito – com decisão positiva. Contudo, essa situação, por si só,
não gerará o litisconsórcio sucessivo, sendo necessário adequar a situação para
o embate pedido e formação de pólo plúrimo. O pormenor que gera o
litisconsórcio sucessivo está no fato de que – quando se passa para o segundo
pedido – há a análise subjetiva diferenciada do pedido antecessor, ou, com
outras palavras, somente se avançará para o patrimônio jurídico do segundo
litigante após a análise positiva (de resultado) em relação ao primeiro. Mister
se fará que conste, primeiramente, comando decisório (aqui, capítulo de
sentença) quanto ao primeiro litisconsorte, para, após, adentrar no segundo
pedido, que é concernente ao litigante que está em litisconsórcio sucessivo.”
[4] Cândido Rangel Dinamarco, Litisconsórcio,
cit., p. 394.
[5] Nesse sentido, as lições de Cláudia Lima
Marques, Antônio Herman V. Benjamin, Bruno Miragem, Comentários ao Código de
Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2004, p. 188-189; Luiz Antonio Rizzatto
Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000,
p. 131; José Geraldo Brito Filomeno, Código de Defesa do Consumidor comentado
pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1999, p. 139.
[6] Antonio Rizzatto Nunes, Comentários ao
Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 130; Nelson Nery Jr. e Rosa Maria
Andrade Nery, Código Civil comentado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 960;
Adriano Perácio de Paula, Direito processual do consumo. Belo Horizonte: Del
Rey, 2002, p. 75.
[7] Luiz Rizzatto Nunes, Comentários ao
Código de Defesa do Consumidor, cit., p. 131.
[8] Kazuo Watanabe, Código de Defesa do
Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 760; Luiz Paulo da
Silva Araújo Filho, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor – Direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 109.
[9] Cláudia Lima Marques, Antônio Herman V.
Benjamin, Bruno Miragem, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, cit.,
p. 240; Luiz Rizzatto Nunes, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor,
cit., p. 176-177.
[10] José Geraldo Brito Filomeno, Código de
Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 169.
[11] Cf. Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor, cit., p. 176, em complemento: “Ora, e como fica o consumidor, que
teve o filho intoxicado, com graves problemas de saúde, e sofreu enorme
prejuízo financeiro?”.
[12] Cf. Litisconsórcio, cit., p. 395.
[13] Ovídio A. Baptista da Silva,
“Responsabilidade pela sucumbência no Código de Processo Civil”. Revista do
Advogado, São Paulo, AASP, n. 40, p. 56, afirma que “segundo este sistema, o
litigante somente suportará o pagamento das despesas processuais feitas pelos
adversários quando houver dado causa à demanda, em virtude de alguma forma de
comportamento injustificado, antes da propositura da ação, ou no curso do
processo”. E conclui: “sendo a jurisdição um serviço público como qualquer
outro, aqueles que o procuram deverão arcar com as despesas correspondentes, a
não ser nos casos em que o sucumbente tenha agido com dolo ou culpa, ou tenha-se
comportado temerariamente no curso da causa, de modo que se deva reconhecer em
sua conduta algum tipo de abuso do direito de demandar”.
[14] Julio Banacloche Palao, Las diligencias
preliminares, Madri: Thomson Civitas, 2003, p. 74.
[15] Julio Banacloche Palao, Las diligencias
preliminares, cit., p. 74-75.
[16] Ignacio Diéz-Picazo Gimenez, Derecho
procesal civil, 2. ed. Madri: Centro de Estudios Ramón Areces, 2002, p. 229: “A
través de esta diligencia el solicitante puede pretender averiguar, por ejemplo,
si una persona tiene la condición de sucesor de outra, si es con la que
contrato, o si una persona es el representante legal de una persona jurídica”.
Julio Banacloche Palao, Las diligencias preliminares, cit., p. 75:
“...imaginemos la importancia que esto puede tener para obtener información
sobre sucesiones, contratos privados que modifiquen el régimen de
responsabilidades, títulos cuya existencia no consta, etc.”.
[17] Vicente Gimeno Sendra, Derecho procesal
civil, Derecho procesal civil: el proceso de declaración. Parte general. Madri:
Colex, 2004, v. I., p. 271-272.
[18] Cumpre registrar que a doutrina
espanhola, apesar de admitir a verificação da ficta confessio, assevera ser
possível que, no processo principal, a presunção seja afastada: Arturo Alvarez
Alarcón, Las diligencias preliminares em el proceso civil, Bosch: Barcelona,
1997. p. 161-162; Jaime Guasp e Pedro Aragoneses, Derecho procesal civil, 5.
ed. Madri: Civitas, 2002., p. 608; Julio Banacloche Palao, Las diligencias
preliminares, cit., p. 200.
[19] Jaime A. Velert Frau, Diligencias
preliminares y prueba anticipada, cit., p. 58-61; Lino Enrique Palácio, Manual
de derecho procesal civil, 17. ed. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2003, p. 343;
Enrique M. Falcón, Manual de derecho procesal, Buenos Aires: Astrea, 2005, v.
I, p. 220. Era esse também o entendimento da doutrina espanhola à luz da antiga
legislação, muito similar com a Argentina: Arturo Alvarez Alarcón, Las
diligencias preliminares en el proceso civil, cit., p. 20-23.
[20] Jaime A. Velert Frau, Diligencias
preliminares y prueba anticipada, cit., p. 63-64.
[21] Jaime A. Velert Frau, Diligencias
preliminares y prueba anticipada, cit., p. 63.
[22] Enrique Tarigo, Lecciones de derecho
procesal civil, 3. ed. Montevidéu: Fundación de Cultura Universitária, 2004, v.
II, p. 343: “La finalidad de esta previsón es, precisamente, la de que la mera
incomparecencia del citado – futuro demandado – no haga absolutamente inútil la
referida diligencia preparatória”.
[23] Enrique Tarigo, Lecciones de derecho
procesal civil, cit., p. 344: “Si el tribunal, entonces, estimara que el
proceso principal no se hubiera iniciado a no ser por esa circunstancia, podrá
imponer al demandado, y a pesar de que este haya triunfado, las máximas
sanciones procesales, o sea el pago de todos los gastos de un proceso que
resulto absolutamente inútil y que no se hubiera realizado de no haber adoptado
el futuro demandado aquella conducta omisiva en el proceso preliminar al no
comparecer, al no contestar o al hacerlo en forma evasiva”.
[24] Daniel Amorim Assumpção Neves, Ações
probatórias autônomas, tese de Doutorado defendida e aprovada na Faculdade de
Direito do Largo São Francisco – USP.
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