O concurso público é um caminho
válido para a felicidade? Epicuro, filósofo nascido na Ilha de Samos (atual
Turquia) parece dizer que sim. Alain de Botton informa que Epicuro “acreditava
que todos podem achar um jeito de serem felizes. O problema, segundo ele, é que
procuramos nos lugares errados. Ele dizia que não devíamos nos sentir culpados
por desejar uma vida prazerosa e divertida, e prometia nos mostrar o caminho
para ela”. Essas ideias acabaram criando uma confusão, já que aqueles que
buscam o prazer desmesurado são chamados de “epicuristas”, quando, na verdade,
o que Epicuro propugnava não deve ser confundido com o hedonismo. Aliás, um dos
males da Pós-Modernidade é exatamente uma sociedade focada apenas no prazer e
que foge da dor, do compromisso, das responsabilidades.
Sustentar que Epicuro não era
hedonista tem base no Dicionário Básico de Filosofia (Japiassú e Marcondes,
Jorge Zahar Editor, 1990, p. 82), que menciona uma orientação epicurista preciosa:
"(...) Aprender a bem viver é aprender a melhor gerir seus prazeres,
afastando aqueles que não são nem naturais nem necessários e fomentando aqueles
que se encontram nos limites da natureza (...)". A ausência total de dor
ou sofrimento é uma ilusão, eu acrescento. Querer viver sem dor alguma é uma
quimera.
Apesar de Epicuro dizer que o
prazer era a coisa mais importante da vida, sua casa era simples, seu
guarda-roupa não tinha luxos, ele bebia água em vez de vinho, achava o peixe
caro demais e satisfazia-se com refeições à base de pão, legumes e azeitonas.
Certa vez ele pediu a um amigo: “Mande-me um pouco de queijo, para que eu possa
me banquetear de tempos em tempos”. Assim vivia o homem que apontava o prazer
como finalidade da vida.
O mesmo Alain de Botton informa
que na essência da filosofia epicurista há uma ideia simples: nós não sabemos
ao certo o que nos faz felizes. Podemos nos sentir atraídos por bens materiais,
na crença de que eles nos trarão felicidade. Mas muitas vezes erramos. Nem sempre
desejamos aquilo de que precisamos, e não há prova maior disso do que nosso
comportamento de consumo.
Epicuro dizia ter descoberto
nossas verdadeiras necessidades e, para a sorte dos menos abastados, os
ingredientes para a felicidade são bem baratos. Eles eram três: (a) ter amigos;
(b) ter liberdade, incluída aí a financeira e (c) refletir sobre a vida.
Não é preciso escrever muito
sobre a importância dos amigos. Quanto ao segundo requisito, a ideia de Epicuro
era ser auto-suficiente, de modo que a pessoa não tivesse que se curvar a
situações opressivas para conseguir se sustentar. Para implementar uma vida de
prazer, liberdade e convívio constante, Epicuro e seus amigos se afastaram de
Atenas e fundaram uma espécie de comunidade alternativa. “Devemos nos libertar
dos grilhões do cotidiano e da política”, escreveu Epicuro. E foi exatamente
isso que seu grupo fez. Levaram uma vida simples, mas com liberdade. Assim,
viveram de modo simples, sem muito dinheiro, mas auto-suficientes e sem
depender da opinião alheia ou da política.
Quanto ao terceiro ingrediente,
Epicuro acreditava que devíamos ter uma vida bem analisada, reservar tempo para
reflexão, para fazer a análise do que nos preocupa. Nossas ansiedades diminuem
se nos damos tempo para pensar nelas. Mas, para isso, temos de nos afastar das
distrações do mundo material e acharmos o tempo e o local adequados para
pensarmos em nossa vida.
Para Epicuro, quem tem amigos,
uma vida bem analisada e auto-suficiência não terá problemas para chegar à
felicidade, mesmo que tenha problemas com dinheiro, saúde ou de outras
naturezas. Epicuro dizia que, tendo dinheiro para as necessidades básicas, você
podia logo começar a ser feliz, desde que tivesse os três requisitos. E o grau
de felicidade não aumentaria de acordo com o grau de riqueza, ele ficaria
estável. Às vezes, o aumento da riqueza até atrapalha. A Bíblia, por exemplo,
menciona que o rico se preocupa com a proteção e a manutenção (quando não, com
a expansão) das suas riquezas, ao passo que o pobre não tem essas inquietações.
A busca por riquezas e luxo tolda
a percepção e desvia as pessoas da felicidade. É comum que esta busca acabe
afastando as pessoas da vida simples, dos amigos, da liberdade financeira e,
por fim, toma tempo que poderia ser dedicado ao prazer, amigos e reflexão. Não
que a riqueza vede a felicidade, ela apenas não é uma garantia disso. Por isso,
não devemos gastar toda a nossa energia buscando bens materiais.
E então, para seguir adiante,
vemos que os concursos públicos podem ser um interessante instrumento para se
aproximar da felicidade. Os concursos facilitam em muito a obtenção dos três
requisitos listados por Epicuro.
Sobre os vencimentos pagos pelo
Estado, alguns são excelentes, ainda mais se levarmos em conta o grau de
qualidade de vida possível, e outros nem tanto. Mas de um modo geral, mesmo os
mais modestos estão numa faixa razoável, comparada com a média salarial nacional. Executivos e empresários podem ter muito mais
dinheiro, mas o grau de estresse, tempo e riscos a que se submetem são
exponencialmente mais desgastantes. Além disso, o sistema de trabalho e a
clareza do que deve ser feito pelo servidor são melhores do que na iniciativa
privada. Por esse motivo, não havendo o interesse em iates e apartamentos em
Paris, o serviço público fornece uma boa proposta de equilíbrio entre
remuneração, trabalho e qualidade de vida.
Ao lado disso, o tempo que o
serviço público proporciona vai permitir que a pessoa escolha entre várias
possibilidades, dentre as quais estão o estudo da filosofia, a reflexão, o
lazer, a companhia da família ou dos amigos. E por falar em amigos, os cursos
preparatórios, a vida de concurseiro, o cotidiano entre os servidores de um
órgão e o fato de estarmos servindo ao próximo, tudo isso facilita a criação e
desenvolvimento de boas amizades. Ao atender bem o semelhante, estimulamos um
novo tipo de contato, uma amizade "genericamente difundida". Tratar
aos outros como amigos ou como gostaríamos de ser tratados é algo que se faz
presente em todas as filosofias e religiões do mundo. Aqui cabe citar o
versículo bíblico de Provérbios 12.20b: “os que trabalham para o bem dos outros
encontrarão a felicidade”.
Em suma, na velha discussão sobre
qual a melhor carreira, não tenho dúvidas de que Epicuro, se estivesse vivo,
recomendaria o concurso público como excelente opção para quem quer ter amigos,
liberdade financeira e tempo para refletir e viver bem. A melhor escolha não é
o concurso ou a iniciativa privada, alerto: isso, só cada um pode dizer.
Afinal, como era desde a época de Epicuro e Diógenes, a felicidade continua
sendo, se não a melhor, ao menos uma das melhores formas de se verificar o
sucesso. Faça suas escolhas, orgulhe-se delas e boa sorte, sempre!
Nota 1: Para quem quiser saber mais sobre Epicuro, sugiro os DVDs
da Revista Vida Simples, “Filosofia para o dia-a-dia”, série para a TV baseada
no livro “As consolações da filosofia”, de Alain de Botton.
Nota 2: Para quem tem interesse na aplicação da Bíblia à vida
moderna e sua relação com este artigo, há um suplemento bíblico disponível no
meu site.
*William Douglas é juiz federal,
professor universitário, palestrante e autor de mais de 30 obras, dentre elas o
best-seller “Como passar em provas e concursos".
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