por Flávio Tartuce
O Bem de Família está situado no centro de
importantes discussões do Direito Privado Contemporâneo.[1] Como é notório, o
instituto recebe atualmente um duplo tratamento legislativo, tanto no Código
Civil de 2002 quanto na Lei n. 8.009/1990.
De início, o Código Civil de 2002 disciplina
o que convém denominar como Bem de Família Voluntário ou Convencional, aquele
que é instituído por escritura pública ou testamento, que deve ser devidamente
registrado no Cartório de Registro de Imóveis. O instituto estava previsto na
Parte Geral do Código Civil de 1916, entre os arts. 70 a 73. O Código Civil de
2002 o deslocou para a Parte Especial, no livro que regulamenta o Direito de
Família, entre os arts. 1.711 a 1.722, o que é plenamente justificável do ponto
de vista metodológico.[2] Além da proteção da impenhorabilidade, o Código Civil
de 2002 reconhece a inalienabilidade como regra do Bem de Família Voluntário,
conforme o seu art. 1.717.[3] Nos termos ainda do Código Civil de 2002, as
exceções à sua impenhorabilidade constam do art. 1.715, abrangendo as dívidas
anteriores à instituição, as dívidas posteriores de tributos e as dívidas
posteriores de condomínio.[4]
Além dessa modalidade, continua em vigor o
tratamento que já constava da Lei n. 8.009/1990, cuja origem está no trabalho
acadêmico de Álvaro Villaça Azevedo, Professor Titular da Faculdade de Direito
da Universidade de São Paulo, que desenvolveu os seus estudos a partir do
conceito de homestead, do Direito Norte-Americano.[5]
Essa importante norma, com apenas oito
artigos, mas enorme amplitude prática, protege, e de forma automática, o imóvel
de residência da entidade familiar (Bem de Família Legal). A impenhorabilidade
abrange os bens móveis que guarnecem a residência, desde que essenciais à
família.[6] As exceções à impenhorabilidade constam do art. 3º da Lei n.
8.009/1990.[7]
Como se iniciou o presente artigo, várias são
as polêmicas relativas ao Bem de Família, sobretudo quanto à última modalidade,
que acaba por prevalecer na prática.[8] E é assim, porque o instituto está
relacionado com uma das fundamentais necessidades do ser humano: a moradia.[9]
Vejamos algumas dessas questões controvertidas que constituíram pano de fundo
do recente cenário civilístico nacional.
Como primeira questão controvertida, pode ser
citada a discussão acerca da proteção do imóvel em que reside pessoa solteira.
O Superior Tribunal de Justiça acabou por consolidar o entendimento de que o
fim teleológico da Lei n. 8.009/1990 não é proteger um grupo de pessoas, mas a
pessoa: a sua dignidade e o direito constitucional à moradia, o que ampara a
impenhorabilidade do imóvel de residência do solteiro.[10]
Outra aplicação prática a ser citada é que a
jurisprudência tem ampliado o conceito de família para os fins da
impenhorabilidade da referida lei. Isso porque, nos termos do art. 226 da
Constituição Federal, a família seria decorrente do casamento, da união estável
ou da entidade monoparental (constituída entra ascendentes e descendentes).[11]
Reconhecendo que esse rol constitucional é meramente exemplificativo (numerus
apertus), o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o imóvel em que residem
duas irmãs é Bem de Família e, portanto, impenhorável.[12]
Outra questão a ser comentada é que toda essa
tendência de proteção da moradia é confirmada pelos julgados que apontam que
mesmo o imóvel locado a terceiro é Bem de Família, desde que os seus aluguéis
sejam utilizados para a locação de um outro, destinado à residência da
família.[13]
Por fim, como último ponto de discussão
recente, é fundamental salientar a que permeou o Supremo Tribunal Federal a
respeito da inconstitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.000/1990,
pelo qual o fiador de locação pode ter o seu imóvel de residência penhorado. A
inconstitucionalidade da norma já foi defendida por este autor, mas,
infelizmente, o Pleno do Supremo Tribunal Federal entendeu pela sua
constitucionalidade, por maioria de votos, diante da preocupação de proteção do
mercado.[14]
A todas essas questões instigantes deve ser
somado o debate acerca do oferecimento do bem de família à penhora pelo próprio
devedor, o que pode ser denominado como a polêmica do Bem de Família Ofertado.
Pois bem, melhor explicando, imagine-se o
caso em que um devedor, executado, ainda sem advogado constituído ou que lhe
oriente, ofereça o próprio Bem de Família, imóvel de sua residência, à
penhora.[15] Depois, devidamente orientado por seu procurador, o próprio
devedor opõe embargos à penhora, alegando tratar-se de um imóvel impenhorável,
por força da Lei n. 8.009/1990.
Surgem duas correntes bem definidas em
relação ao tema.
Para uma primeira corrente, os embargos
opostos pelo devedor devem ser rejeitados de imediato.
O primeiro argumento que surge está
relacionada com aquela antiga regra pela qual ninguém pode se beneficiar da própria
torpeza, corolário da boa-fé subjetiva, aquela que existe no plano psicológico,
intencional (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). Como reforço para
esse primeiro argumento, surge a tese pela qual se deve dar interpretação
restritiva à Lei n. 8.009/1990.[16]
O segundo argumento utilizado por aqueles que
sustentam que os embargos do devedor devem ser rejeitados se houver o
oferecimento do Bem de Família e posterior insurgência está fundado na alegação
da vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), que
também mantém relação com a boa-fé, mas aquela de natureza objetiva, que existe
no plano da lealdade dos participantes da relação negocial.[17] Esse
entendimento já chegou a ser adotado pelo Superior Tribunal de Justiça para que
os embargos do devedor fossem repelidos.[18]
Da ementa transcrita na última nota, aliás,
decorre o terceiro argumento para se penhorar o Bem de Família Ofertado, o de
que a proteção constante da Lei n. 8.009/1990 é passível de renúncia, pois está
na parte disponível dos direitos pessoais.[19] Em suma e em outras palavras,
trata-se de um justo e legal exercício da autonomia privada a renúncia a
impenhorabilidade do bem de família, o que ocorre quando o devedor o oferece à
excussão.[20]
Apesar dos notáveis esforços para amparar
esses três argumentos, não há como com eles concordar, em hipótese alguma. E a
premissa basilar para a tese contrária é aquela pela qual o Bem de Família
Legal envolve um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia.
Ora, muito se tem dito a respeito da
dignidade humana como propulsora da tendência de constitucionalização do
Direito Civil e da possibilidade de aplicação das normas constitucionais
protetivas da pessoa nas relações privadas (eficácia horizontal). Em realidade,
parece-nos que um dos modos de especializar essa máxima proteção se dá
justamente pela proteção da moradia como ocorre nos casos envolvendo o Bem de
Família Ofertado. A amplitude de proteção, para esses casos, é justa, razoável
e proporcional, concretizando o Texto Constitucional. [21]
Nos dizeres de Ingo Wolfgang Sarlet, a
dignidade humana é “a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida a cada ser
humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado
e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos”.[22] Do ponto de vista constitucional, esse feixe
de direitos mínimos ou mínimo existencial mantém relação com o direito à
moradia, previsto no art. 6º da Constituição, um direito social e
fundamental.[23] Já sob o prisma civil, esse feixe de direitos representa o
direito à propriedade mínima: o direito ao imóvel próprio como um direito
mínimo para o livre desenvolvimento da pessoa.[24] Como se sabe, nos meios
populares, o sonho da casa própria povoa a mente de milhões de brasileiros. É
na casa própria que a pessoa humana se concretiza, se aperfeiçoa e se
relaciona; é nela que exerce plenamente a sua dignidade.
A partir dessa idéia, que serve como tronco
fundamental, decorrem os contra-argumentos aos que antes foi exposto, para
gerar a conclusão de que os embargos à penhora devem ser acolhidos na hipótese
do oferecimento do Bem de Família.
Primeiro, quanto à alegação de quem ninguém
pode se beneficiar da própria torpeza, não se pode atribuir má-fé presumida
àquele que oferece o Bem de Família à penhora. O Direito, em certo sentido,
acaba por ser uma ciência endêmica, que surge para solucionar conflitos
humanos. Sendo assim, não se pode presumir que as mentes das pessoas também
estão doentes. Ademais, o argumento de torpeza, baseado na boa-fé subjetiva e,
por isso, essencialmente privado, não pode prevalecer sobre a proteção do Bem
de Família Legal, que envolve ordem pública.[25]
Segundo, a prevalência do direito à moradia
sobre a boa-fé também serve para afastar o argumento de aplicação da vedação do
comportamento contraditório (venire contra factum proprium). A partir da idéia
de ponderação ou pesagem, deve entender que o primeiro direito tem prioridade e
prevalência sobre a boa-fé objetiva.[26]
Terceiro e por fim, não restam dúvidas de que
a renúncia ao Bem de Família Legal é inválida e ineficaz, pois constitui um
exercício inadmissível da autonomia privada por parte do devedor. Eis aqui mais
um exemplo possível de dirigismo negocial nas relações subjetivas.[27] Desse
modo, a suposta renúncia não afasta a possibilidade de ser argüir
posteriormente a impenhorabilidade do imóvel de residência.[28]
Encerrando e resumindo, servem como sustento
as palavras de Jorge Miranda, para quem “a dignidade humana é da pessoa
concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstracto. É o
homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível,
insubsistente e irrepetível e cujos direitos fundamentais a Constituição
enuncia e protege”.[29] Essa dignidade humana é que ampara a proteção da
habitação como um direito fundamental e social no sistema português.[30]
A conclusão deve ser a mesma no sistema
brasileiro, pois interesses essenciais ao desenvolvimento social do nosso País
devem prevalecer sobre interesses formais, antenados à rigidez do processo. O
dogma da justiça segura cede espaço à justiça justa. Com essa idéia de justiça
está se construindo o Direito Contemporâneo, sempre a partir de um diálogo
interdisciplinar.[31]
[1] Diante de sua importância para a
perpetuação da pessoa humana, as iniciais serão sempre maiúsculas.
[2] Quanto à instituição dependente de ato
voluntário, é claro o art. 1.711, caput, do Código de 2002 ao prever que “Podem
os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento,
destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não
ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição,
mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida
em lei especial”. Com o intuito de proteger os credores, o legislador limitou o
Bem de Família Voluntário a um terço do patrimônio do instituidor. A sua
constituição depende, ainda, do registro imobiliário, como estatui o art. 1.714
da mesma codificação.
[3] CC/2002. “Art. 1.717. O prédio e os
valores mobiliários, constituídos como bem de família não podem ter destino
diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos
interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público”.
[4] CC/2002. “Art. 1.715. O bem de família é
isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que
provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio.
Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o
saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em
títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes
aconselharem outra solução, a critério do juiz”.
[5] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família.
São Paulo: RT, 5ª Edição, 2002.
[6] Lei n. 8.009/1990. “Art. 1º O imóvel
residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não
responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária
ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que
sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta
lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se
assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e
todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que
guarnecem a casa, desde que quitados”. O art. 2º da lei exclui alguns bens do
manto da impenhorabilidade, caso dos veículos de transporte, das obras de arte
e dos adornos suntuosos. Quanto aos móveis essenciais à entidade familiar,
podem ser retirados alguns exemplos da obra de Theotônio Negrão, a partir da
experiência jurisprudencial (Código de Processo Civil e legislação processual
em vigor. Atualizador: José Roberto F. Gouvêa. São Paulo: Saraiva, 37ª Edição,
2005, p. 1212). Assim, são considerados impenhoráveis: a antena parabólica,
aparelho de televisão, armários de cozinha, dormitório, estofados, fogão,
geladeira, guarda-roupas, jogo de jantar, jogo de sofás, secadora de roupas e
toca-fitas. Por outro lado, são bens móveis penhoráveis: aparelho de ar condicionado,
aparelhos elétricos sofisticados, bicicleta e piscina de fibra de vidro. Há
divergência jurisprudencial em relação a bens como microondas, rádio-gravador e
videocassete (quanto ao último, o entendimento do STJ é pela penhorabilidade:
REsp 162.998/PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, julgado
16.04.1998, DJ 01.06.1998, p. 141).
[7] Lei n. 8.009/1990. “Art. 3º A
impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal,
previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I - em razão
dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas
contribuições previdenciárias; II - pelo titular do crédito decorrente do
financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos
créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III --
pelo credor de pensão alimentícia; IV - para cobrança de impostos, predial ou
territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V -
para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo
casal ou pela entidade familiar; VI - por ter sido adquirido com produto de
crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento,
indenização ou perdimento de bens. VII - por obrigação decorrente de fiança
concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)”.
[8] É de se discutir a viabilidade prática do
Bem de Família Convencional ou Voluntário. Primeiro, pela desnecessidade de sua
instituição, já que a proteção do Bem de Família Legal é automática. Segundo,
porque o Bem de Família Convencional traz despesas de escritura e registro ao
instituidor, o que não ocorre quanto ao instituto que consta da lei específica.
Terceiro e por último, diante da clara limitação à autonomia privada existente
no Bem de Família Convencional, já que o imóvel passa a ser também inalienável,
como regra. Todos esses pontos fazem com que o Bem de Família Legal prevaleça
na prática jurídica.
[9] Prevê o art. 6o da Constituição Federal
de 1988, conforme redação que foi dada pela Emenda Constitucional n. 26: “São
direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
[10] Dos vários julgados, destaca-se o
seguinte, pelo teor de sua ementa: “Processual – Execução – Impenhorabilidade –
Imóvel – Residência – Devedor solteiro e solitário – Lei 8.009/1990 – A
interpretação teleológica do art. 1.º, da Lei 8.009/1990, revela que a norma
não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um
direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não
faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o
mais doloroso dos sentimentos: a solidão. – É impenhorável, por efeito do
preceito contido no art. 1.º da Lei 8.009/1990, o imóvel em que reside,
sozinho, o devedor celibatário” (STJ, EREsp 182.223/SP, julgado 06.02.2002,
Corte Especial, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, rel. acórdão Min.
Humberto Gomes de Barros. DJ 07.04.2003, p. 00209, REVJUR, vol. 00306, p.
00083; Veja: STJ, REsp 276.004/SP (RSTJ 153/273, JBCC 191/215), REsp 57.606/MG
(RSTJ 81/306), REsp 159.851/SP – LEXJTACSP 174/615 –, REsp 218.377/ES – LEXSTJ
136/111, RDR 18/355, RSTJ 143/385).
Demonstrando tratar-se de questão já
consolidada, das decisões mais recentes, extrai-se a seguinte ementa:
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. OCUPAÇÃO UNICAMENTE PELO
PRÓPRIO DEVEDOR. EXTENSÃO DA PROTEÇÃO DADA PELA LEI N. 8.009/90. I. Segundo o
entendimento firmado pela Corte Especial do STJ (EREsp n. 182.223/SP, Rel. p/
acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 07.04.2003, por maioria),
considera-se como ‘entidade familiar’, para efeito de impenhorabilidade de
imóvel baseada na Lei n. 8.009/90, a ocupação do mesmo ainda que exclusivamente
pelo próprio executado. II. Ressalva do ponto de vista do relator. III. Recurso
especial conhecido e parcialmente provido, para afastar a penhora”. (STJ, REsp
759.962/DF, Rel. Ministro ALDIR
PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 22.08.2006, DJ 18.09.2006 p. 328)
[11] CF/88.
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do
Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento
religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º - Para efeito da proteção
do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade
familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º -
Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer
dos pais e seus descendentes”.
[12] “Execução. Bem de família. Ao imóvel que
serve de morada as embargantes, irmãs e solteiras, estende-se a
impenhorabilidade de que trata a Lei 8.009/1990” (STJ, REsp 57.606/MG, rel.
Min. Fontes de Alencar, 4.ª Turma, julgado 11.04.1995, DJ 15.05.1995, p.
13.410).
[13] “Processual civil. Execução. Penhora de
imóvel. Bem de família. Locação a terceiros. Renda que serve a aluguel de outro
que serve de residência ao núcleo familiar. Constrição. Impossibilidade. Lei
8.009/1990, art. 1.º. Exegese. Súmula 7-STJ. I. A orientação predominante no
STJ é no sentido de que a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990 se
estende ao único imóvel do devedor, ainda que este se ache locado a terceiros,
por gerar frutos que possibilitam à família constituir moradia em outro bem
alugado. II. Caso, ademais, em que as demais considerações sobre a situação
fática do imóvel encontram obstáculo ao seu reexame na Súmula 7 do STJ. III.
Agravo improvido” (STJ, AGA 385.692/RS, julgado 09.04.2002, 4.ª Turma, rel.
Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 19.08.2002, p. 177. Veja: STJ, REsp
114.119/RS, 302781/SP, 159.213/ES (RDR 15/385) e 183.042/AL).
[14] TARTUCE, Flávio. A penhora do Bem de
Família do fiador de locação. Abordagem atualizada. Texto publicado na Revista
IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 40, mar. abr/2006. p. 11-15.
O julgado que concluiu pela
constitucionalidade da norma tem a seguinte ementa: “FIADOR. Locação. Ação de
despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos
débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família.
Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no
art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com
a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos
vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação,
objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a
redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da
Constituição da República” (STF, RE 407688/SP - SÃO PAULO, RECURSO
EXTRAORDINÁRIO, Relator: Min. CEZAR PELUSO,
Julgamento: 08/02/2006).
Juntando-se ao coro daqueles que defendem a
inconstitucionalidade da norma, podem ser citadas Rosalice Fidalgo Pinheiro e
Katya Isaguirre, jovens expoentes da escola do Direito Civil Constitucional do
Estado do Paraná. São suas as seguintes conclusões, em comentários ao julgado
do STF: “Em conformidade com argumentos lançados, a prevalência do voto
vencido, proferido pelo Min. Eros Grau, na decisão do STF, impõe-se em um
Estado que se queira democrático de direito. Considerando-se que este deposita
na dignidade da pessoa humana, os contornos de sua axiologia material, torna-se
imprescindível o reconhecimento de direitos fundamentais. Eis que a democracia
concretiza-se na promoção de direitos sociais, compreendidos da designação de
direitos fundamentais, perfazendo a dimensão social do Estado. Por fim, há de
se recordar a que a realidade de mercado não possui força para subverter a
tutela existencial da pessoa. A negativa à penhora do bem de família do fiador
é postura necessária para busca de um verdadeiro equilíbrio de valores na
sociedade contemporânea. Sob este aspecto, há de se ressaltar que o Estado pode
e deve estabelecer meios mais adequados à proteção do mercado imobiliário, por
meio de regras que, por exemplo, tornem o seguro-fiança mais atrativo e protetivo
ao direito de crédito do locador. Não se trata, portanto, de ‘postura acadêmica
voltada à inviabilizar o direito de moradia’, mas de uma construção que
demonstra a nova função da doutrina e sua contribuição para o processo
evolutivo do Direito. Para além da tradicional função de simples mediação dos
conflitos, a doutrina tem o dever de assumir uma postura crítica de condições
positivas para a transformação qualitativa do homem” (O direito à moradia e o
STF: um estudo de caso acerca da impenhorabilidade do bem de família do fiador.
In Diálogos sobre Direito Civil. Volume II. Org. Gustavo Tepedino e Luiz Edson
Fachin. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 162).
[15] A reforma processual introduziu
alterações quanto à nomeação de bens a penhora. Quanto ao cumprimento de
sentença, é a redação do atual art. 475-J do CPC, alterado pela Lei n.
11.232/2005: “Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já
fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da
condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a
requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta
Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. § 1o Do auto de penhora e de
avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado
(arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou
pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação,
querendo, no prazo de quinze dias. § 2o Caso o oficial de justiça não possa
proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de
imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.
§ 3o O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a
serem penhorados. § 4o Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput
deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante. § 5o Não
sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os
autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte”. Como se pode
perceber pelo destaque, a prioridade é que a indicação e bens à penhora seja
feita pelo exeqüente. No tocante à execução de título extrajudicial, o
raciocínio é o mesmo, pela atual redação do art. 652 do CPC, devidamente
atualizado pela Lei n. 11.382/2006: “O executado será citado para, no prazo de
3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida. § 1o Não efetuado o pagamento, munido da segunda
via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e
a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na
mesma oportunidade, o executado. § 2o O
credor poderá, na inicial da execução, indicar bens a serem penhorados (art.
655). § 3o O juiz poderá, de ofício ou a
requerimento do exeqüente, determinar, a qualquer tempo, a intimação do
executado para indicar bens passíveis de penhora. § 4o A intimação do executado far-se-á na pessoa
de seu advogado; não o tendo, será intimado pessoalmente. § 5o Se não localizar o executado para intimá-lo
da penhora, o oficial certificará detalhadamente as diligências realizadas,
caso em que o juiz poderá dispensar a intimação ou determinará novas
diligências”.
[16] Entre os doutrinadores que propõem essa
interpretação restritiva, pode ser citado Daniel Amorim Assumpção Neves. É até
interessante a simbologia por ele utilizada: “Há aspecto ainda pior; penhorado
o bem, abre-se discussão sobre sua impenhorabilidade em sede de embargos de
execução ou mesmo ‘exceção de pré-executividade’, o que pode significar anos de
debates para que no fim se determine que o credor deve voltar a ‘estaca zero’,
já que aquele bem que garantia o juízo era impenhorável. A tristeza e
melancolia com que o credor recebe tal informação de seu patrono só são
comparáveis as perplexas faces dos torcedores derrotados em final de campeonato
com gol impedido e de mão nos descontos”.(Impenhorabilidade de bens. Análise
com vistas à efetivação da tutela jurisdicional. Disponível em
http://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosf/Daniel_impenhorabil.doc. Acesso
em 17 de outubro de 2007).
[17] Na IV Jornada de Direito Civil, evento
promovido pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça
em outubro de 2006, foi aprovado o Enunciado n. 362, prevendo que “A vedação do
comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na
proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil”.
Sobre o tema, na civilística nacional, destaca-se o trabalho de Anderson
Schreiber (A proibição de comportamento contraditório. Tutela da confiança e
venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2ª Edição, 2007). Na
ótica instrumental, já surgem defensores da aplicação do conceito ao processo
civil (DIDIER JR., Fredie. Alguns aspectos da aplicação da proibição do venire
contra factum proprium no processo civil. In Leituras complementares de Direito
Civil. O Direito Civil-Constitucional em concreto. Org. Cristiano Chaves de
Farias. Salvador: Juspodivm, 2007, p.
199-207).
[18] “CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. LEI Nº. 8.009,
DE 1990. A impenhorabilidade resultante do art. 1º da Lei nº 8.009, de 1990,
pode ser objeto de renúncia válida em situações excepcionais; prevalência do
princípio da boa-fé objetiva. Recurso especial não conhecido” (STJ, REsp
554.622/RS, Rel. Ministro ARI
PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 17.11.2005, DJ 01.02.2006 p. 527).
[19] Em sentido muito próximo: “Execução. Bem
de família. Aval. Penhorabilidade. Muito embora seja impenhorável o bem de
família, se o executado fez cair o gravame sobre dito imóvel, perdeu, sponte
sua, o benefício legal. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 249.009/SP,
Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO,
TERCEIRA TURMA, julgado em 16.08.2001, DJ 17.03.2003 p. 225)
[20] A autonomia privada, consagradora de um
dos mais importantes princípios do Direito Privado Contemporâneo, constitui um
regramento básico, de ordem particular – mas influenciado por normas de ordem
pública -, pelo qual, na formação dos atos e negócios jurídicos, além da
vontade das partes, entram em cena outros fatores: psicológicos, políticos,
econômicos e sociais. Trata-se do direito indeclinável da parte de
auto-regulamentar os seus interesses, decorrente da sua própria dignidade
humana, mas que encontra limitações em normas de ordem pública (TARTUCE,
Flávio; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O princípio da autonomia
privada e o direito contratual contemporâneo. In Direito Contratual. Temas
Atuais. Coord. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce. São
Paulo: Método, 2008, p. 49). Sobre o tema é essencial a obra de Francisco
Amaral (Direto Civil. Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 5ª Edição, 2003).
[21] Expressão inspirada na obra coletiva A
Constituição concretizada. (Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2000).
[22] SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da
dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional
necessária e possível. In Dimensões da dignidade. Ensaios de Filosofia do
Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.
37. Nesse trabalho o autor desenvolve muito bem a idéia do mínimo existencial.
[23] Entre os autores que defendem a
aplicação dos direitos sociais de forma imediata nas relações privadas, pode
ser citado Daniel Sarmento (Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de
Janeiro: Lúmen júris, 2004, p. 333-342). Como exemplo de saudável aplicação
desses direitos, o autor aponta o entendimento do Superior Tribunal de Justiça
no sentido de que o imóvel em que reside pessoa solteira é impenhorável pela proteção
da Lei n. 8.009/1990.
[24] A inspiração dessa conclusão vem da
leitura da brilhante tese de Luiz Edson Fachin, O Estatuto Jurídico do
Patrimônio Mínimo (Rio de Janeiro: Renovar, 2ª Edição, 2006, p. 140-154). Em
certo trecho do trabalho, ao escrever sobre a proteção do Bem de Família Legal,
conclui o jurista: “É possível o reconhecimento da impenhorabilidade de ofício
pelo juiz (quando há provas ou indícios nos autos), embora, em geral, o ônus da
prova para a incidência da impenhorabilidade seja do devedor. Não se afigura
possível a renúncia válida do benefício, quando o devedor citado nomeia o bem
de família à penhora, ou se o exeqüente nomeia o bem de família, mesmo que o
devedor concorde expressamente com a nomeação”. (destacamos). (Estatuto jurídico
do patrimônio mínimo, ob. cit., p. 150).
[25] Por todos os julgados do STJ que
reconhecem ser a proteção do Bem de Família Legal questão de ordem pública:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO À
PENHORA. RENÚNCIA AO BENEFÍCIO ASSEGURADO PELA LEI. 8.009/90. IMPOSSIBILIDADE.
1. A indicação do bem de família à penhora não implica em renúncia ao benefício
conferido pela Lei 8.009/90, máxime por tratar-se de norma cogente que contém
princípio de ordem pública, consoante a jurisprudência assente neste STJ. 2.
Destarte, a indicação do bem à penhora não produz efeito capaz de elidir o
benefício assegurado pela Lei 8.009/90. Precedentes: REsp 684.587 - TO, Relator
Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, DJ de 13 de março de 2005; REsp
242.175 - PR, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Quarta Turma, DJ de 08 de
maio de 2.000; REsp 205.040 - SP, Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO, Terceira
Turma, DJ de 15 de abril de 1.999) 3. As exceções à impenhorabilidade devem
decorrer de expressa previsão legal. 4. Agravo Regimental provido para dar
provimento ao Recurso Especial. (AgRg no REsp 813.546/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão
Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 10.04.2007, DJ 04.06.2007 p. 314). A relação com a ordem pública
fica clara pela possibilidade da Lei n. 8.009/1990 retroagir, conforme
reconhece a Súmula 205 do mesmo STJ: “A LEI 8.009/90 APLICA-SE A PENHORA
REALIZADA ANTES DE SUA VIGENCIA” (Órgão Julgador: CORTE ESPECIAL. Data da
Decisão: 01/04/1998. Fonte DJ DATA:16/04/1998 PG:43. RDDT VOL.:33 PG:236, RSTJ
VOL.:108 PG: 145, RT VOL.: 752 PG:131). 0181).
[26] Sobre a técnica de ponderação, merece se
destacado artigo recentemente publicado no Brasil por Robert Alexy (Ponderação,
jurisdição constitucional e representação popular. In A Constitucionalização do
Direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Coord. Cláudio Pereira
de Souza Neto e Daniel Sarmento. Rio de Janeiro: 2007, p. 295-304). Explica o jurista alemão que “Um
dos tópicos mais importantes no debate corrente sobre a interpretação dos
direitos fundamentais é o papel da ponderação ou pesagem. Na efetiva prática de
muitas cortes internacionais, a ponderação ocupa um lugar central. No direito
constitucional alemão a ponderação é um aspecto daquilo que é exigido por um
princípio mais compreensivo: o princípio da proporcionalidade (...). O
princípio da proporcionalidade consiste de três subprincípios: os princípios da
adequação, da necessidade e da proporcionalidade. Todos esses princípios
expressam a idéia de otimização. Interpretar direitos fundamentais à luz do
princípio da proporcionalidade é tratar os direitos fundamentais como mandados
de otimização, ou seja, como princípios, não simplesmente como regras. Enquanto
mandados de otimização, princípios são normas que exigem que algo seja
realizado na máxima medida possível, diante das possibilidades fáticas e
jurídicas” (Ponderação, jurisdição constitucional e representação popular, ob.
cit., p. 295).
[27] Como também são exemplos de dirigismo
estatal as previsões relativas à função social do contrato (art. 421 do CC) e à
função social da propriedade (art. 5º, inc. XXIII da CF/88 e art. 1.228, § 1º,
do CC).
[28]
Dentro dessa idéia, também do STJ: “AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE
ARGUMENTOS CAPAZES DE INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. EXECUÇÃO.
BEM DE FAMÍLIA. INDICAÇÃO À PENHORA. - Não merece provimento recurso carente de
argumentos capazes de desconstituir a decisão agravada. - O fato de o executado
oferecer à penhora o imóvel destinado à residência da família não o impede de
argüir sua impenhorabilidade (Lei n.º 8.009/90)”. (STJ, AgRg no REsp
888.654/ES, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES
DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 03.04.2007, DJ 07.05.2007 p. 325).
“RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS DE TERCEIRO - DESCONSTITUIÇÃO DA PENHORA DO IMÓVEL
NO QUAL RESIDEM OS EMBARGANTES - LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM - MEMBROS
INTEGRANTES DA ENTIDADE FAMILIAR - NOMEAÇÃO À PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA -
INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA AO BENEFÍCIO PREVISTO NA LEI Nº 8.009/90 - MEDIDA
CAUTELAR - EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL - JULGAMENTO DESTE - PERDA DE
OBJETO - PREJUDICIALIDADE - EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO. 1 - Os
filhos da executada e de seu cônjuge têm legitimidade para a apresentação de
embargos de terceiro, a fim de desconstituir penhora incidente sobre o imóvel
no qual residem, pertencente a seus genitores, porquanto integrantes da
entidade familiar a que visa proteger a Lei nº. 8.009/90, existindo interesse
em assegurar a habitação da família diante da omissão dos titulares do bem de
família. Precedentes (REsp nºs 345.933/RJ e 151.238/SP). 2 - Esta Corte de
Uniformização já decidiu no sentido de que a indicação do bem de família à
penhora não implica renúncia ao benefício garantido pela Lei nº. 8.009/90.
Precedentes (REsp nºs 526.460/RS, 684.587/TO, 208.963/PR e 759.745/SP). 3 -
Recurso conhecido e provido para julgar procedentes os embargos de terceiro,
afastando a constrição incidente sobre o imóvel, invertendo-se o ônus da
sucumbência, mantido o valor fixado na r. sentença. 4 - Tendo sido julgado,
nesta oportunidade, o presente recurso especial, a Medida Cautelar nº 2.739/PA
perdeu o seu objeto, porquanto foi ajuizada, exclusivamente, para conferir-lhe
efeito suspensivo. 5 - Prejudicada a Medida Cautelar nº 2.739/PA, por perda de
objeto, restando extinta, sem exame do mérito, nos termos do art. 808, III, c/c
o art. 267, IV, ambos do CPC. Este acórdão deve ser trasladado àqueles autos”.
(STJ, REsp 511.023/PA, Rel. Ministro
JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 18.08.2005, DJ 12.09.2005 p.
333).
[29] MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui.
Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I. Coimbra: Coimbra, p. 53.
[30] MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui.
Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I. Coimbra: Coimbra, p. 667.
Quando do II Seminário Luso-Brasileiro:
Direito Público e Direito Privado, promovido pelo Núcleo de Estudantes
Luso-Brasileiros da Faculdade de Direito de Lisboa, naquela instituição, entre
3 e 4 de maio de 2007, interrogamos ao Professor Jorge Miranda a sua opinião a
respeito da polêmica brasileira acerca do Bem de Família Ofertado.
Respondeu-nos o jurista que, a partir das experiências portuguesas de proteção
de direitos trabalhistas e da aplicação da dignidade humana nas relações
privadas, para ele prevalece o direito social à moradia, que deve ser
equiparado a um direito fundamental.
Vale ressaltar que o tema de sua conferência naquele seminário foi
Direitos fundamentais e interpretação constitucional
[31] Sobre essa dicotomia, são contundentes
as críticas de Giselda Hironaka: “Acabamos por aprender que as verdades
inteiras são perigosas, exatamente porque querem fechar suas muralhas sobre o
construído, de molde a não permitir re-organizações, re-modelações,
re-arranjos. É mais seguro, por certo, não mexer muito nas coisas ou nas
idéias, pois tudo que se contém dentro de um formato imutável, tende a parecer
mais seguro. Na percepção de justiça, por exemplo, aquilo que se apresentar de
modo repetitivo, encaixado em formulações pré-estabelecidas, aquilo que se
multiplicar tantas vezes quanto seja desejável fazê-lo, tende a parecer mais
seguro e, daí então, deve decorrer a idéia de segurança jurídica, este padrão
aprisionador de concepções, este denominador comum de repetição, este paradigma
inacreditavelmente inamovível... Numa idéia assim – restrita e fechada, e por
isso mesmo segura – não há lugar para se pensar o novo, para se adequar o
tempo, para fazer fluir apenas o justo. Parece que, neste tipo de concepção
mais restritiva de justiça, tenha sido preferível a justiça segura à justiça
justa...” (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Sobre peixes e afeto – um
devaneio sobre a ética no Direito de Família. In Família e dignidade humana.
Coord. Rodrigo da Cunha Pereira, Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de
Família. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, p. 426).
O bem de família é impenhorável, e as leis infraconstitucionais deveriam respeitar este direito. Não há dívida que possa sobrepor a uma garantia real de moradia. Para saciar um suposto direito do credor, que deve fazer análise de crédito antes de concede-lo, reita-se o bem de moradia de outro? São pesos e medidas diferenciados. Há outros meios de se exigir o crédito. Há tratados internacionais sobre o assunto? Direitos Humanos de primeira geração? ou moradia é luxo?
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