Índice:
Resumo. Introdução. 1. As astreintes
no sistema processual brasileiro: punição ou desestímulo? 2. O estímulo à
ilicitude: necessidade de o Judiciário levar a sério suas próprias decisões. 3.
Da incorreta utilização do termo “enriquecimento”. Enriquecimento sem causa ou
ilícito: equívoco na utilização dos conceitos. 4. A credibilidade do Poder
Judiciário. 5. As recentes decisões do STJ: uma luz no fim do túnel? 6. Uma
proposta alternativa. Conclusão. Referências bibliográficas.
Resumo:
Este artigo visa demonstrar, de modo fundamentado, como o Judiciário vem
aplicando de forma distorcida os princípios de enriquecimento sem causa e
ilícito para justificar a redução das multas diárias, beneficiando maus fornecedores
em detrimento de pessoas que, após sofrerem um primeiro dano por vício ou defeito (fato) do produto ou da
prestação do serviço, sofrem um novo pelas mãos dos tribunais.
Elogio à posição da Ministra Nancy Andrighi,
de que a redução do valor da multa indicará às partes e aos jurisdicionados em
geral que, in verbis, “as multas fixadas para cumprimento de
obrigações não são sérias”. Uma proposta alternativa de solução.
Introdução:
A quem o Judiciário deve proteger? Qual o objetivo da multa diária? Não seria
evitar que fornecedores, de maneira geral, deixassem de cometer ilícitos contra
os consumidores? O que o Judiciário tem feito na prática? O que tem feito para que esses fornecedores, principalmente os contumazes,
modifiquem seu padrão de comportamento? Como garantir o efeito didático e
dissuasório das penas civis?
- As
astreintes no sistema processual
brasileiro: punição ou desestímulo?
Antes de tratarmos das astreintes será de bom tom fazermos uma
pequena abordagem a respeito das indenizações em nosso país.
Como se sabe, a reparação por danos está
prevista na Carta Constitucional de 1988, mais precisamente no art. 5o,
V. Com base nessa premissa, outras normas estabeleceram situações em que a
reparação por danos será devida. O diploma consumerista é um exemplo e merecerá
maior destaque neste artigo, vez que, seja na responsabilidade por fato do
produto ou serviço, seja na responsabilidade por vício, a reparação por danos
está devidamente consolidada na Lei no 8.078/90.
O objetivo, em princípio, parece ser
claro: reparar os danos sofridos. Todavia, será que ele é tão simples assim?
Quando falamos de reparação por danos materiais, esse objetivo se revela óbvio.
Seja dano emergente ou lucro cessante, a intenção é fazer com que a vítima da
lesão retorne ao status quo ante.
Mas e no caso do dano moral? Como
repará-lo? Em casos como esse, o julgador busca encontrar um valor que compense
ou atenue o sofrimento da vítima, ao mesmo tempo em que ...o ofensor.
As reticências no período anterior não
se tratam de erro gráfico, foram propositalmente colocadas, posto ser, justamente
nesse momento, que as teorias e correntes entram em conflito.
O espaço deve ser completado com um entre
dois termos ou com a soma de ambos, sendo eles “punir” ou “desestimular”? Seria
mais adequado afirmar que o valor da indenização visa a punição e,
concomitantemente, o desestímulo ao erro?
Vale anotar que “desestímulo” não será
apenas para o ofensor, de modo que não repita a mesma conduta dali por diante,
mas para toda a sociedade. Nesse passo, não custa lembrar a expressão
“repercussão geral”. Cada decisão do Judiciário tem um condão de notícia à
população em geral sobre como agir.
É bastante comum em nosso sistema
processual vermos nas sentenças a expressão “caráter punitivo-pedagógico da
pena”. Mas de onde surgiu esta expressão?
O punitive
damages é oriundo do direito norte-americano e tem como objetivo não apenas
compensar a vítima de uma lesão, mas de efetivamente punir o ofensor
causando-lhe um verdadeiro prejuízo financeiro. Está mais próximo da vendeta, um conceito bem relevante na
cultura dos EUA.
Já no Brasil, apesar da discussão que
envolve o tema, a indenização visa o desestímulo ao danoso, muito mais do que
uma possível punição, embora os conceitos andem, salvo melhor juízo,
intimamente ligados. Ninguém discute o efeito da impunidade no comportamento da
coletividade. Isso se expressa no direito criminal, no cível e no trabalhista.
Longe de ser um tema pacífico, não pretendemos esgotá-lo aqui, mas
apenas pontuar a questão e deixar nossa
posição no sentido de que a reparação moral está mais próxima do desestímulo do
que da punição. A punição tem efeito individual, assim como a reparação do
ofendido, mas o grande efeito social é desestimular o ofensor e, em especial,
aqueles que tomam conhecimento do funcionamento a contento do Poder Judiciário
a ter condutas semelhantes. Um processo exemplar no tempo de tramitação e na
solução final é o melhor antídoto para evitar novos processos, ao passo que
processos demorados e com resultados pífios para o ofendido são os maiores
estimulantes para que os ofensores não mudem de padrão de comportamento. A
percepção, especialmente dos comerciantes e empresas, é simples: eles farão
aquilo que der mais retorno financeiro, mais lucro.
Uma das maiores responsabilidades do
Poder Judiciário é passar para as empresas e empreendedores a notícia de que
errar não dá lucro. Mas não é o que tem sido feito até aqui, ao menos não em
dose suficiente.
Recomenda-se a leitura do elucidativo
artigo “O caráter punitivo das indenizações por danos morais” (2002) do nobre magistrado Osny Claro de Oliveira
Junior.
Nessa hora, o leitor pode estar se indagando
qual a relação dessa discussão com as astreintes
ou a popular multa por descumprimento de obrigação. As astreintes, assim como as indenizações por danos morais (englobando
no conceito os danos estético e de imagem), devem ter por objetivo desestimular
o ofensor e não necessariamente puni-lo. E mais que isso, desestimular o
mercado a reproduzir o comportamento punido. Em suma, a punição é secundária
diante do efeito didático e dissuasório.
Está previsto no art. 84[1]
do Código de Defesa do Consumidor que nas ações que tenham por objeto o
cumprimento de obrigação, o juiz poderá conceder tutela específica para seu
atendimento, esclarecendo no parágrafo quarto que o magistrado poderá impor
multa diária para garantir a eficácia da determinação.
Evidente que a intenção do legislador
foi criar algo que gerasse um desestímulo ao ofensor. O descumprimento
implicaria no pagamento de um determinado valor multiplicado pelo período da
afronta. O legislador teve a percepção do óbvio para quem lida com o
capitalismo e o mercado: empresas e comerciantes fazem, ou deixam de fazer,
movidos pelo lucro.
Ainda que existam empreendedores,
empresas e comerciantes movidos pelo sonho, pelo ideal, e de comportamento exemplar,
apenas inocência próxima da dos querubins pode imaginar que outra coisa que não
a punição “no bolso” irá fazer com que capitalistas, de maior ou menor porte,
façam ou deixem de fazer algo. O legislador não foi ingênuo, apenas isso.
Nas palavras do professor Guilherme
Couto de Castro (2009: 101-102), as astreintes
são “a pena pecuniária imposta pelo magistrado à parte recalcitrante em cumprir
certa ordem judicial”.
Embora utilize o termo “pena”, é
evidente que o mesmo não pode ser interpretado como punição mera e simples,
como vindita e nada mais. A real intenção do legislador foi fazer com que a
parte recalcitrante desejasse deixar de ser. O objetivo é fazer com que o
fornecedor se sinta desestimulado em permanecer na prática ilícita. E da
repetição dessas punições didáticas, e da sua observação pela comunidade, que
se estabeleça uma nova cultura.
Nesse passo, o estímulo ao comportamento
probo tem relevância extraordinária, pois ninguém discute que a miséria e a corrupção
de nosso país têm grande relação com a cultura do “jeitinho” e da malfadada
“Lei de Gerson”.
Este artigo foi escrito porque o
Judiciário tem, ao invés de praticar o desestímulo ao erro, dado um literal
“jeitinho” de tornar menos dura a pena para os recalcitrantes e sua
recalcitrância, estimulando o erro e não o conserto.
- O
estímulo à ilicitude: necessidade de o Judiciário levar a sério suas
próprias decisões
O Judiciário tem a facilidade de
complicar questões que seriam, aparentemente, fáceis de serem tratadas. É o
caso.
O legislador criou, de forma bastante
objetiva, a possibilidade de fixação de multa diária em caso de descumprimento
de obrigação. Se o fornecedor, intimado para o cumprimento de obrigação, deixa
de atender ao comando judicial, ele arcará com sua inércia. Simples assim,
correto? Não, infelizmente não, pois o Judiciário, sob as justificativas mais
absurdas, vem diariamente distorcendo o conceito e a função da multa.
Enriquecimento sem causa e
enriquecimento ilícito são os argumentos mais utilizados para justificar a
redução ou até mesmo a exclusão das multas impostas.
Tal entendimento, além de flagrantemente
equivocado, conduz a uma situação danosa em vários aspectos: o ofensor não se
sente desestimulado, já que tem a convicção de que a multa não irá prosperar. O
consumidor se sente desprotegido e o Judiciário, que não sustenta suas próprias
determinações, passa uma imagem de descrédito.
Cada vez que um tribunal reduz uma
multa, a mensagem que passa é clara: “não nos levem tão a sério”. É o
Judiciário contra si mesmo.
Curioso que essas reduções premiadas
(prêmio para quem intencionalmente errou) são dadas pelos mesmos magistrados
que reclamam maior respeito dos demais poderes. Como querer respeito quem, de
sua própria lavra, premia aqueles que não levam a sério as determinações do
próprio Judiciário?
Mais estranho ainda é que, em geral, o
Judiciário ignora que o desrespeito generalizado aos consumidores, praticado
por muitos, enriquece-os ilicitamente. Ignora que a punição didática evitará
tal tipo de cultura. No final, para não “enriquecer” um consumidor lesado,
protege exageradamente o economicamente mais forte. Age, portanto, com graves erros:
a) não
resolve a tempo o problema de fundo, a violação do mérito;
b) não
resolve a recalcitrância, premiando-a (a demora é um segundo dano ao consumidor);
c) não
desestimula o ofensor, nem na questão de fundo;
d) não
desestimula o ofensor a levar a sério as determinações do Poder Judiciário;
e) estimula
outros a não levarem a sério as determinações do Poder Judiciário, aí incluídos
os demais poderes que também não são regulares em atender tais determinações
(em boa parte por culpa do Judiciário mesmo);
f) não
oferece à coletividade notícia de firmeza mas, ao contrário, de postura tíbia;
g) não
dá contribuição alguma à formação de uma nova cultura, de honestidade e
probidade, ao contrário, reforça a cultura da malandragem.
Se fossemos resumir o efeito geral,
poderíamos dizer que ao reduzir ou eliminar tais multas, o Judiciário age como
Robin Hood às avessas, tomando dos espoliados para dar aos espoliadores.
De toda sorte, para
que possamos compreender melhor o equívoco na utilização dos princípios de
enriquecimento sem causa e ilícito, será necessário, antes, abordarmos a
questão do “enriquecimento” propriamente dito.
- Da
incorreta utilização do termo “enriquecimento”. Enriquecimento sem causa
ou ilícito: equívoco na utilização dos conceitos
A
utilização dos termos “sem causa” e “ilícito” para justificar a redução ou
exclusão de multa diária já é pavorosa por si só. Acrescidos do substantivo
“enriquecimento” torna a expressão uma aberração jurídica.
A aberração primeira é considerar “sem
causa” um valor cuja causa é uma decisão judicial válida. Ou chamar de
“ilícito” um valor decorrente de previsão legal expressa, no código
consumerista, e de sua aplicação através das leis processuais em vigor.
Indo além, uma simples consulta ao
dicionário[2]
nos permite visualizar que a definição de enriquecimento é “tornar-se rico”. Este,
por sua vez, é todo aquele que “possui muitos bens de fortuna; que tem
riquezas”.
Sobre os termos “sem causa” e “ilícito”,
vale registrar o que diz Assis Neto, em seu Curso básico de direito civil,
Niterói: v. II, p.115-116 2009, quando informa
que o enriquecimento sem causa será assim considerado “toda vez que não
tiver como origem uma causa que seja amparada pela norma jurídica” e cita como
exemplos o furto, os negócios nulos, anuláveis e ilícitos.
Ora, se uma determinação judicial impõe
o cumprimento de obrigação sob pena de multa diária e o responsável pelo
adimplemento desta permanece inerte, em que lugar a execução da multa pode ser
considerada sem causa?
Havendo afronta ao comando judicial,
excluir ou reduzir a multa como se ela fosse “enriquecimento ilícito” nos leva
à inacreditável conclusão de que o Judiciário considera suas próprias
determinações ilícitas, o que aproxima o caso da esquizofrenia e o distancia da
seriedade.
É comum o Judiciário considerar
determinada prática de um fornecedor ilícita e, por conseguinte, determinar que
dela se abstenha sob pena de multa diária. Passam-se meses e até anos, e o
fornecedor insiste no ilícito. Fica a indagação: em que momento a conduta de
fundo deixou de ser ilícita para que, sendo lícita, a multa oriunda dessa
inércia é que se torne ilícita do ponto de vista jurídico?
Ou o inverso: o juiz determina que algo
seja praticado, é ignorado por meses ou até anos. Em que momento a decisão
judicial, até então regular, se torna ilícita e, por via de consequência,
maculando de ilicitude a punição pelo descumprimento?
O pior dano é que os fornecedores,
devidamente orientados por seus advogados, que cumprem o dever de informar como
se comportam os juízes, geralmente não se sentem desestimulados a deixar de
praticar o ilícito. Por qual razão o fariam, já que podem contar com a complacência
e, por que não dizer, com a cumplicidade do Judiciário?
É comum ouvir de empresários a
indagação: “Isso dá problema?” ou “Eu tenho mesmo que fazer isso?” ou, “Qual o
custo de não cumprir essa ordem?”, ou “Qual mesmo a pressa de atender esse juizinho?”.
Seus advogados, cumprindo o dever de informar os fatos, atualmente podem dizer:
“Pressa alguma, pois o Tribunal não vai dar multa grande, é a jurisprudência”.
Então, acobertados por essa cruel senhora, a tal jurisprudência, continuam a
enriquecer ilicitamente não só nas costas do ofendido que ousou ajuizar ação,
mas também de todos os outros. Outros que, talvez cientes de como é caro e
frustrante postular, sequer procuraram o nosso Judiciário que, ao menos nesse
particular, tem sido tímido diante da injustiça.
- A
credibilidade do Poder Judiciário
Evidente que tal frouxidão afeta a
credibilidade do Poder Judiciário no cenário das instituições do país. Pesquisa
publicada no site O Jornal[3]
indica
que “O Poder Judiciário ocupa a penúltima posição no quesito ‘confiança total’
de uma pesquisa realizada pela Toledo & Associados e divulgada em Brasília
pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Entre as sete instituições
pesquisadas, o Judiciário perde apenas para o Congresso Nacional, o último
colocado em matéria de credibilidade popular”.
Entre os motivos para a baixa
credibilidade destacam-se 35% das menções: envolvimento de juízes em
escândalos, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas; 17% das menções: acusação
de que o Judiciário privilegia os ricos; e 9% das menções: morosidade do
Judiciário.
Em suma, privilegiar os ricos é, para a
população, ainda pior do que a morosidade. Ao proteger grandes empresas, bancos
e capitalistas das multas que eles mesmos fizeram por merecer, os tribunais
estão reforçando a informação à população que, de fato, privilegia os ricos.
Eles podem errar, pois serão perdoados.
Não custa observar que uma multa de R$
1.000,00, em geral, não é reduzida. Mas para o pequeno comerciante que a
recebeu, o valor relativo desse montante é exponencialmente maior do que uma
multa de R$ 50.000,00 para uma operadora de telefonia ou instituição bancária
que não cumpra determinação judicial. Em resumo, na prática, os pobres são mais
prejudicados e os ricos mais protegidos quando se aplica redução de multas.
Isso, claro, além do dano à imagem do Poder Judiciário.
Apenas para ilustrar, outra pesquisa
revelou que, pela ordem, as instituições brasileiras com maior credibilidade
junto à população são: Forças Armadas, Igreja Católica, Polícia Federal, Ministério
Público, Imprensa e Judiciário. A pesquisa foi feita pela Associação dos
Magistrados Brasileiros (AMB) e noticiada pelo Jornal do Brasil
em 2008.
O Judiciário está em último lugar! E em
boa parte por merecimento próprio. Se nem os tribunais acreditam nas decisões
do Poder, vez que reduzem multas estabelecidas pelos magistrados, por que
deveria fazê-lo a população?
- As
recentes decisões do STJ: uma luz no fim do túnel?
Embora ainda esteja longe de ser uma
unanimidade, o Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado, através de
decisões corajosas da lavra da Ministra Nancy
Andrighi,
no sentido de manter as multas estabelecidas ou reduzi-las de forma mais
branda.
Curioso que tenhamos precisado de uma
mulher para dar uma decisão compatível com um Judiciário mais viril. Como, por
sinal, uma mulher, na Presidência da Repúbica, tem mostrado mais firmeza no
combate à corrupção do que tantos homens que antes ocuparam o cargo.
Em dois casos emblemáticos, a Bunge
Fertilizantes S/A (Superior Tribunal de Justiça,
2010 – REsp 1185260) e Unibanco (Superior Tribunal de Justiça, 2010 – Resp
1135824) foram condenados a pagar multas elevadas, superiores à própria
condenação, justamente em razão da injustificada inércia no atendimento do
comando judicial.
No caso da instituição financeira, a ministra
afirmou que o “recurso especial é rico
em argumentos para demonstrar o exagero da multa, mas é pobre em justificativas
quanto aos motivos da resistência do banco em cumprir a ordem judicial”.
Declarou ainda a ilustre julgadora que “a redução do valor da multa produziria um
efeito perigoso. Indicaria às partes e aos jurisdicionados em geral que as
multas fixadas para cumprimento de obrigações não são sérias”.
Por fim, concluiu que essa prática (a de
reduzir o valor das multas) levaria o inadimplente “a crer que poderá contar
com a complacência do Poder Judiciário no futuro, caso a multa se torne alta”.
Ao não reduzir, temos a coragem que
tanto falta ao Poder Judiciário. Ao se reduzir de forma branda, temos a sinalização
de uma modificação de percepção, mas aplicada de forma ainda tímida. A
expectativa é que as multas sejam sempre mantidas para que não se indique às
partes e aos jurisdicionados em geral que aquilo que o Judiciário fixa “não é sério”.
A corajosa
posição da ministra nos traz duas esperanças e duas constatações. Esperanças: a
de que o Judiciário comece a levar a sério suas próprias decisões e
fornecedores e jurisdicionados em geral saibam que é melhor cumprir efetivamente
as determinações judiciais. Constatações: a de que as mulheres
são a esperança de posturas firmes, em que firmeza é demandada
não só no Judiciário, mas nos Três Poderes; e que em
decisões como essas, o STJ efetivamente se estabelece
como Tribunal da Cidadania.
- Uma
proposta alternativa
Essa questão,
inclusive, não é novidade para o primeiro articulista, pois, no exercício da
função de Juiz Federal Titular da 4a Vara Federal de Niterói, já teve a oportunidade de
lidar com o problema. A Caixa Econômica Federal, instituição
cujo viço financeiro é notório, ignorou solenemente, meses e meses a fio,
determinação judicial. De nada adiantou existir uma multa fixada, talvez por
conhecerem seus advogados o estímulo moralmente torto que as reduções de multa
proporcionam. O fato é que, quando finalmente cumpriram a decisão, a multa já
era astronômica.
Uma digressão: na maior parte das vezes
não é. Talvez fruto dos vencimentos reduzidos, os magistrados costumam se
assustar com multas de dezenas de milhares de reais ou até de umas poucas
centenas. Não percebem que para as empresas, multas com menos de cinco dígitos,
no mais das vezes, são ínfimas, sem qualquer poder punitivo ou dissuasório.
Não era o caso. A multa ultrapassava
algumas centenas de milhares de reais. Não por não achar que o caso era emblemático
e seria exemplar, mas por conhecer a jurisprudência reinante e ora criticada, foi buscada uma que parecesse atender
ao desígnio de evitar multas altas em mãos do ofendido.
Como se sabe na ausência de norma
específica, o juiz recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais
de direito conforme disposto no artigo 4º da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro (antiga Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro)[4]
e no artigo 126 do Código de Processo
Civil[5].
Com base nessa premissa o primeiro articulista
buscou inspiração na Lei Penal (artigo 43, I do Código Penal, combinado com o
artigo 45, §1º do mesmo diploma) e, assim como se faz com prestações
pecuniárias criminais, dirigidas a orfanatos e asilos, foi determinado que 20%
da multa fossem entregues ao ofendido, o que já era um valor bem razoável, e
80% fossem depositados para instituição de caridade de idoneidade notória e
reconhecida.
A decisão foi clara para indicar que o
valor integral, embora pudesse ser visto como exagerado para a parte ofendida,
era mais do que necessário para exercer o caráter punitivo e educativo em face
da envergadura econômica da instituição bancária.
Infelizmente, o tribunal reformou a
decisão, reduziu a multa a valores ridículos para uma instituição bancária e,
assim, premiou a Caixa pela inércia e disse a todos – à Caixa, aos demais Poderes,
aos bancos, a quem mais pudesse interessar – que as decisões judiciais não
devem ser levadas a sério. Não o tivesse feito, ou seja, tivesse o tribunal
levado a sério as decisões dele mesmo emanadas, e com base na lei material e
processual, os efeitos seriam os seguintes:
- A Caixa
Econômica Federal sentiria forte desestímulo a não cumprir as decisões
judiciais, o que também influenciaria outras instituições financeiras.
- A diretoria
da Caixa, para proteger a instituição, certamente iria determinar, por
instrução interna, que houvesse mais presteza diante de ordens judiciais.
- A chefia
imediata do advogado que tratou a ordem com menoscabo tomaria providências,
provavelmente repreendendo-o pelo prejuízo causado ao banco, medida que
funcionaria como estímulo para que nem ele, nem os demais advogados da
instituição renovassem a conduta.
- A
publicação da decisão no Diário Oficial
levaria os advogados de todo o país a começar a alertar seus clientes a
respeito do risco de ignorar determinações judiciais.
- O ofendido
teria uma compensação maior pelo desgosto de ser lesado no mérito da
causa, tanto que obteve ordem em seu favor, e depois foi lesado na demora
da Caixa em cumprir a determinação. Entenderia que tem um Poder Judiciário
firme na proteção dos cidadãos e sairia mais satisfeito.
- A
instituição de caridade teria numerário que serviria para ajudar
necessitados, recebendo verba lícita, decorrente de multa por conduta
ilícita da Caixa.
- A imprensa
daria conta de, ao noticiar a punição exemplar, fazendo com que
empresários, comerciantes, empreendedores e a população em geral soubessem
que há juízes no país, que suas decisões devem ser respeitadas, contribuindo
não só para aumentar a admiração do povo pelo Poder, que tem, por sinal,
se saído bastante mal nas pesquisas de credibilidade, como anotado supra.
- O
Judiciário teria dado uma contribuição para que a cultura do “jeitinho” e
do “mau fornecedor”
fosse combatida, prestigiando uma cultura de respeito, probidade e
cumprimento das obrigações.
Conclusão
Verificar que por erro conceitual e
inadmissível pusilanimidade, o Judiciário tem sido complacente com àqueles que
insistem no descumprimento das determinações impostas.
Existe urgente necessidade de que as
decisões sejam mantidas, sob pena de desprestigiar o Poder e remeter aos jurisdicionados,
conforme bem ressaltou a Ministra Nancy Andrighi, mensagem de falta de
seriedade e, conforme pesquisas, de que o Judiciário privilegia os ricos.
Referências bibliográficas
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JORNAL, O. Pesquisa da OAB deixa
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<www.aggio.jor.br/jornal14/credibilidade14.htm>. Acesso em: ago. 2011.
OLIVEIRA JUNIOR,
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direito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60,
1 nov. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3547>.
Acesso em: ago. 2011.
http://michaelis.uol.com.br.
(s.d.). Acesso em 26 de agosto de 2011, disponível em Michaelis:
http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=enriquecimento
[1]
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o
cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado
prático equivalente ao do adimplemento.
§ 1° A conversão da obrigação em perdas e
danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a
tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2° A indenização por perdas e danos se
fará sem prejuízo da multa (art. 287, do Código de Processo Civil).
§ 3° Sendo relevante o fundamento da
demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é
lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia,
citado o réu.
§ 4° O juiz poderá, na hipótese do § 3° ou na sentença, impor multa diária ao
réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com
a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5° Para a tutela específica ou para a
obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas
necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas,
desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de
força policial.
[2]Fonte:http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portuguesportugues&palavra=enriquecimento
[3] Fonte:
www.aggio.jor.br/jornal14/credibilidade14.htm
[4] Art. 4º. Quando a lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os
princípios gerais de direito. (Decreto-Lei 4.657/1942, com as alterações dadas
pela Lei 12.376/2010).
[5] Art. 126. O juiz não se
exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No
julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo,
recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
[i] William Douglas é Juiz Federal/RJ, Mestre em Direito
pela UGF, Pós-graduado em Políticas Públicas e Governo pela EPPG/UFRJ, Professor e Palestrante.
[ii] Marcus Fábio Segurasse Resinente é advogado e
especialista em Direito do Consumidor e em Direito dos Contratos pela Fundação
Getúlio Vargas - FGV.
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