Bruno Henrique Di Fiore
Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo e advogado.
O estudo da tutela da vida
privada ganha relevo nos dias hoje pela crescente jurisdicização dos danos
morais, como forma de proteção aos direitos da personalidade. É de se atentar
que recentes súmulas do STJ vêm consolidando o entendimento de que certas condutas
causam afronta aos sentimentos mais íntimos do ser humano, gerando situações
por vezes merecedoras até mesmo de uma presunção absoluta de prejuízo (dano in
re ipsa), como se vê pelo enunciado das súmulas 370 e 388 do Superior Tribunal
de Justiça.[1]
Dentro de referida matéria é
possível fazer um corte epistemológico remontando à doutrina que divide a
intimidade humana em várias camadas, cuja apuração é de grande valia teórica,
mas também prática, como se verá no decorrer deste artigo.
Dentre os estudos feitos sobre a
correlação entre vida privada e suas esferas está a chamada ‘teoria dos
círculos concêntricos da esfera da vida privada’[2] ou ‘teoria das esferas da
personalidade’, que ganhou relevo na doutrina alemã, a partir de 1953, com
Heinrich Hubmann[3]. Ele dividiu a esfera da vida privada do ser humano em 3
círculos, de acordo com sua densidade, sendo que a esfera externa seria a
privacidade, a intermediária alocaria o segredo e a esfera mais interna seria o
plano da intimidade. Esta corrente foi trazida ao Brasil por Elimar
Szaniawski[4] e é adotada pela doutrina minoritária, a exemplo de Cristiano
Chaves de Farias.
Nos meados da década de 1950,
aproximadamente por volta do ano de 1957, Heinrich Henkel também tripartiu a
vida privada em círculos concêntricos, perfazendo camadas sobre camadas, mas,
diferentemente da teoria anterior, inclui como círculo nuclear o do segredo,
deixando o círculo da intimidade como intermediário e o da privacidade como
círculo externo. Este entendimento foi difundido no Brasil por Paulo José da
Costa Junior, sendo seguido pela doutrina majoritária (Silmara Chinelato, Pablo
Stolze Gagliano e Flávio Tartuce).
Não obstante a grande carga
dogmática da matéria acima explanada, é de se perceber que a diferenciação entre
camadas, seja qual for a classificação adotada, é de suma importância para o
momento do dano moral no ordenamento jurídico pátrio, na medida em que quanto
mais íntima for a interferência de terceiros dentro da vida privada da
‘vítima’, maior a afronta ao direito da personalidade e, por conseguinte, maior
a represália merecida, que poderá refletir na exasperação da quantificação do
dano extrapatrimonial que dele advirá.
Não obstante a importância da
repercussão patrimonial que tal lesão poderá causar, os graus de proteção de
referidos direitos será maior quanto mais profunda for a escala de privacidade,
pelo que se passa a uma breve síntese de cada plano.
A privacidade é o círculo da vida
privada em sentido estrito (Privatsphäre), em que repousam as relações
interpessoais mais rasas, na qual não há um amplo grau de conhecimento da vida
alheia, beirando o coleguismo. O acesso ao público é restrito, mas seu grau de
adstrição é o menor dentre as 3 esferas, sendo que o interesse público é motivo
plausível para sua violação. É neste círculo que repousa, por exemplo, o sigilo
de dados telefônicos (acesso à relação de ligações efetuadas e recebidas), que
pode ser quebrado pelo Poder Judiciário ou por CPI. Nesta esfera também se encontram os episódios
de natureza pública que envolvam o indivíduo, extensíveis a um círculo
indeterminado de pessoas e por isso não protegidos contra a divulgação.
A intimidade é o círculo
intermediário (Vertrauensphäre), que congloba informações mais restritas sobre
o ser humano, compartilhadas com reduzido número de pessoas de seu ambiente
familiar, amigos íntimos e profissionais que têm conhecimento das informações
em razão do ofício (a exemplo de psicólogos, padres e advogados). É neste
círculo que se encontram protegidos o sigilo domiciliar, profissional e das
comunicações telefônicas, que sofrem restrições mais agudas para sua abertura,
a exemplo da última cuja quebra só pode ser decretada por decisão judicial
fundamentada.
O segredo (Geheimsphäre) é o
círculo mais oculto das esferas da privacidade lato sensu, no qual são
guardadas as informações mais íntimas do Eu, que muitas vezes não são
compartilhadas com outros indivíduos e sobre as quais o interesse público não
poderá se imiscuir, a exemplo da opção sexual, filosófica e religiosa.
Após a exposição acima, acolhemos
a posição de Henkel, concluindo que a privacidade diz respeito aos aspectos
mais recônditos do indivíduo, resguardando as informações pessoais, dentre as
quais algumas podem tocar o interesse público (intimidade), e outras dizem
respeito exclusivamente ao titular (segredo – aspecto mais interior da
privacidade).
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Bibliografia
FROTA, Hidemberg Alves da. A
proteção da vida privada, da intimidade e do segredo no Direito brasileiro e
Comparado. Anuario de Derecho Constitucional Latinoamericano, Montevideo, v.
13, n. 1, t. 2, p. 459-495, ene.-dic. 2007. Disponível em:
<http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/20072/pr/pr2.pdf>.
FROTA, Hidemberg Alves da. Teoria
geral das Comissões Parlamentares de Inquérito brasileiras. Anuario de Derecho
Constitucional Latinoamericano, Montevideo, v. 12, n. 1, t. 1, p. 229-259,
ene.-dic. 2006. Disponível em:
<http://www.juridicas.unam.mx/publica/librev/rev/dconstla/cont/20062/pr/pr0.pdf>.
[1] Súmula 370 Caracteriza dano
moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado. Súmula 388 A simples
devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.
[2] COSTA JR., Paulo José da. O
direito de estar só: tutela penal da intimidade. 2. ed. São Paulo: RT, 1995, p.
36.
[3] HUBMANN, Heinrich. Das
persönlichkeitsrecht. Münster: Böhlau-Verlag, 1953, apud COSTA JR., Paulo José
da, Op. Cit., p. 30.
[4] SZANIAWSKI, Elimar. Direitos
de personalidade e sua tutela. São Paulo: RT, 1993.
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