Rizzatto Nunes
Professor e Escritor. Mestre e Doutor em
Filosofia do Direito e Livre-Docente em Direito do Consumidor pela PUC/SP.
Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. Coordenador do Programa de
Pós-Graduação em Direito da Unimes/Santos (Mestrado e Doutorado). Autor de
diversas obras, dentre temas jurídicos, filosóficos, contos e romances
A obesidade é definida pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) como o acúmulo excessivo de gordura no corpo
que pode acarretar problemas graves de saúde como doenças cardiovasculares,
hipertensão e diabetes. Segundo a OMS, a obesidade é considerada a mais
importante desordem nutricional e é uma epidemia mundial. A incidência da
doença é alta, tanto em países desenvolvidos, quanto nos emergentes e
subdesenvolvidos. Nenhuma faixa etária está livre do problema. E, pior, nos
últimos anos tem aumentando a incidência da doença nas primeiras faixas
etárias, em crianças e adolescentes.
Conforme explica a médica
nutróloga Jussara Fialho Ferreira, há alguns anos se dizia que a obesidade
decorria da gula, da falta de força de vontade, de uma fraqueza de caráter ou,
ainda, de algum distúrbio psicológico. Atualmente, a ciência reconhece que a
obesidade tem múltiplas causas fisiológicas e psicológicas.
Diz ela: "Sabe-se que
existem pessoas que possuem genes predispostos ou não à prática de esportes ou
que tem predisposição para comer muitos doces, por exemplo. Mas não é só isso
que determina se uma pessoa será ou não obesa. Outro agravante é a hereditariedade.
Se um dos pais for obeso, a chance de desenvolver o distúrbio é de 50%. Agora,
se ambos forem obesos, a chance é de 80%".
Além desses fatores genéticos,
existe o fator ambiental. Este é caracterizado pelo desequilíbrio entre a
ingestão de alimentos com alta densidade calórica e a queima insuficiente
destas calorias. A psicóloga Angela Tamashiro diz: "As pessoas não são
obesas porque querem ou desejam. Várias são as causas que geram a obesidade. Em
90% dos casos, a causa da obesidade está na utilização descontrolada da
gordura..."
Estela Renner, que já produziu o
excelente documentário intitulado "Criança, a alma do negócio", está
agora produzindo um novo filme voltado ao problema da obesidade infantil. O
foco é exatamente esse da questão ambiental: obesidade causada pela ingestão
imoderada de produtos calóricos, repletos de açúcares e conservantes e outros
ingredientes que fazem mal à saúde. Um dos principais aspectos abordados é o da
ausência de informação ou má informação a respeito dos produtos ditos
alimentícios que são fabricados e vendidos em todos os cantos do país e também
a maneira como os mesmos são oferecidos pela publicidade massiva.
A partir da edição do Código de
Defesa do Consumidor (CDC), em 11-03-1991, os fabricantes foram obrigados a
fornecer informações sobre o conteúdo de seus produtos alimentícios, mas,
passados mais de 20 anos da vigência da lei, o que se percebe - como já aqui me
referi mais de uma vez - é que a grande indústria descobriu meios de distribuir
seus produtos não saudáveis por intermédio das conhecidas fórmulas de sedução
veiculadas pela publicidade e, também, algumas vezes fornecendo informações
insuficientes ou não claras. O documentário mostrará isso.
Ligado ao assunto exposto nos
filmes, foi realizado um seminário nos dias 24 e 26 de agosto p.p., no qual
tive oportunidade de participar, promovido pela Escola Paulista da Magistratura
em conjunto com a Apamagis, o Instituto Alana, o Procon de São Paulo e o Idec.
Nele, várias questões a respeito da publicidade voltada ao público infantil
foram abordadas, sendo que as relacionadas ao problema da nutrição quero
dividir com vocês no presente artigo para uma reflexão.
Ficou claro para quem assistiu ao
evento que, na sociedade capitalista contemporânea, cada vez mais há uma
necessidade de esclarecimento e divulgação dos direitos dos consumidores em
geral porque, apesar do CDC ser uma lei que, como se diz, pegou, a desproporção
entre o que falam os fornecedores e o que podem os consumidores é monstruosa. E
não só o que falam, mas o que apresentam, o que prometem, as imagens
maravilhosas que mostram e todos os modos que eles têm de buscar seduzir. São
milhões, ou melhor e literalmente, bilhões de reais gastos em publicidade todo
ano para cooptar os consumidores. Estes têm muito pouco a seu lado para lutar
por seus direitos, combater os maus fornecedores, denunciar o mau atendimento,
buscar ressarcimento por suas perdas etc, apesar do excelente trabalho
desenvolvido pelos Procons e algumas associações de defesa dos consumidores
como o Idec, a Alana, a Proteste e a atuação do Ministério Público
especializado.
E, se os consumidores adultos têm
essa dificuldade, certamente ela aumenta quando se trata de crianças e
adolescentes.
Quando se fala em informação e
publicidade, sempre surge a questão ligada à liberdade de expressão. Não
repetirei aqui algo que já disse antes em relação a este tema; lembro apenas
que o sistema legal brasileiro permite o controle e até a proibição da
publicidade em algumas situações específicas. Aliás, no momento do debate num
dos dois dias de seminário, foi levantada uma questão a respeito de um certo
receio da existência de intervenção "demais" do Estado, através de
leis que regulassem o campo da informação e da publicidade.
Lembrei que uma das virtudes da
sociedade capitalista contemporânea é o desenvolvimento da ciência. E,
evidentemente, a sociedade tem de se aproveitar das verdades científicas -
quando elas são incontestáveis - em seu benefício. Eis o exemplo que elucida a
questão: em grande parte do século XX fumar era sinal de bom gosto e distinção.
Nos filmes de Hollywood dos anos 40, 50, 60 e até 70, os personagens quase
sempre estavam portando um cigarro, especialmente em situações sociais. Cigarro
e glamour andavam juntos. E, não só em Hollywood, mas também no cinema europeu
etc. Fumar era algo natural de se fazer.
Muito bem. Na medida em que a
ciência avançou, foram-se descobrindo os malefícios do tabaco e começou-se a
catalogar as diversas doenças causadas por seu consumo, assim como um número
enorme de mortes. O Estado, por sua vez, passou a fazer a contabilidade dos
prejuízos ocasionados com as doença e as mortes. Conclusão: muitos países
passaram a proibir a publicidade de produtos fumígenos, os impostos sobre esses
produtos foram aumentados, passou-se a proibir seu uso em locais fechados e
públicos etc, tudo visando fazer cair seu consumo. E, apesar da grita de alguns
fumantes e, claro, dos fabricantes, as limitações e proibições vingaram muito
bem.
Ora, a obesidade é uma doença e
focada na questão ambiental, a ciência já começa a mostrar que ela está ligada
em boa parte ao consumo de produtos de baixa qualidade nutritiva e alta
concentração de açúcares, sais, gorduras, conservantes etc. Assim, com o apoio
da ciência, vê-se que pode o Estado atuar no mercado para exigir, por exemplo,
que os produtos alimentícios estampem informações mais precisas e mais claras.
As embalagens poderiam também dizer dos malefícios que podem ocorrer pela
ingestão excessiva. A publicidade poderia ser restringida. Nas escolas de
ensino fundamental e médio, poder-se-ia proibir que as cantinas vendessem
porcarias, como ocorre atualmente. Enfim, está na hora de a obesidade ligada à
alimentação ser tratada com o cuidado que exige.
Quanto à publicidade, a existente
atualmente é escandalosamente bem produzida para encantar pais e filhos
levando-os a mundos maravilhosos e oferecendo porcarias e bugigangas. Assistam:
as propagandas são belíssimas, com produção de dar inveja a filmes
hollywoodianos, mas nunca dizem a quantidade de gorduras, açúcares sais etc. E,
tomando o barco da moda da defesa do meio ambiente, muitas propagandas se
utilizam da ideia, apresentando crianças que defendem o meio ambiente, mas que
ingerem muita alimentação não saudável (Evidentemente, todos são a favor da
defesa do meio ambiente; por isso os produtores passaram a adotar esse
"slogan" cativante para oferecer seus produtos criando essa nova
modalidade de ocultação e fingimento).
Evidentemente, não se deve
esquecer a atuação do consumidor, que pode dizer não às ofertas, assim como
pode mudar seus hábitos alimentares. Cabe também aos pais regularem o modo de
alimentação de seus filhos, crianças e adolescentes. O problema, como apontei,
é a desproporção entre, de um lado, a oferta e, de outro, a capacidade de
crítica e obtenção de informações precisas pelos consumidores. Estes estão
acuados, lutando pela vida no dia-a-dia do trabalho ou procurando empregos,
estudando, cuidando dos filhos etc: sobra muito pouco tempo para refletirem
sobre seus hábitos de consumo. Por isso, muitas vezes o consumidor acorda tarde
demais.
Uma ajuda viria a calhar. É por
essas e outras que os consumeristas entendem que o Estado pode dar uma
mãozinha. Sempre lembrando, digo eu, que nós já temos uma excelente lei de
proteção ao consumidor (o CDC), que garante direitos e regula obrigações,
funcionando como uma boa alternativa para a defesa dos interesses e direitos de
forma individual e coletiva.
Mas há uma verdade científica
insofismável: a obesidade é uma doença e deve ser tratada como tal. Parte dessa
doença está ligada aos produtos colocados em circulação. Chegará a hora em que
as autoridades públicas farão as contas e perceberão o gasto excessivo que
estão tendo por causa de mais essa doença; quem sabe, então, intervenham a
favor do consumidor.
De todo modo, é preciso que a
informação dos produtos que os consumidores adultos e especialmente as crianças
e adolescentes possam ingerir seja clara e ostensivamente oferecida e apresentada.
Para terminar lembro a frase
atribuída a Otto Von Bismark que diz: "Se o povo soubesse como são feitas
as leis e as salsichas, não dormiria tranquilo". Penso que nesta sociedade
em que vivemos, dominada pelo mercado, seria importante atualizar esse
pensamento: "Se as pessoas soubessem como são feitas as salsichas e demais
embalados e enlatados, os biscoitos, os sucos artificiais, os refrigerantes e
várias bebidas de caixinhas etc, não as comprariam"as de caixinhas etc,
não as comprariam".
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