Uma força-tarefa do Ministério
Público Federal vem provocando uma enxurrada de processos contra prefeitos por
suspeita de desvio de verba pública. Nos últimos seis meses, foram 253 ações
contra as autoridades municipais de todas as cinco regiões do país.
Procuradores vasculham ainda as prestações de contas de mais de 1,6 mil
cidades, a maior parte considerada irregular pela Controladoria-Geral da União
(CGU). O número de processos abertos é visto como uma vitória pelos
investigadores, uma vez que há casos em que os convênios com a União foram
assinados há 10 anos. Um exemplo é a
compra de uma ambulância em Santo Antônio do Descoberto (GO), no
Entorno. O veículo virou sucata e só agora os envolvidos nas fraudes foram
denunciados à Justiça.
A investigação começou como um
teste feito pelo Ministério Público para dar andamento à apuração de fraudes em
municípios fiscalizados pela CGU. “Como era uma fase experimental, escolhemos
apenas os convênios firmados nas áreas de Saúde, Educação e Transportes e
somente de prestações de contas”, comenta a procuradora regional da República
em São Paulo Janice Ascari, que coordena o grupo de trabalho. Os 253 processos
abertos são correspondentes a casos analisados pela CGU entre 2008 e 2011. “A
outra fase será investigar outros ministérios e ampliar o foco também nas
prestações de contas rejeitadas, insuficientes e em torno dos relatórios
especiais de fiscalização”, acrescenta.
A intenção do grupo de trabalho é
evitar que os 1.641 casos de irregularidades analisados pela CGU fiquem sem
punição, por causa da demora do processo. “O prazo da prescrição é curto e
nunca conseguimos responsabilizar as pessoas”, explica Janice. “As fraudes eram
descobertas muito tempo depois de ter ocorrido”, observa a procuradora,
ressaltando que um dos problemas eram as fiscalizações ineficientes por falta
de investimentos. Além disso, os processos estão acumulando na Justiça por
causa do número de irregularidades que surgem a cada dia. No Tocantins, por
exemplo, só no ano passado foram feitas 81 denúncias e instaurados 66
inquéritos da Polícia Federal relacionados a fraudes na aplicação de verbas da
União.
Sanguessugas
Mas há casos em que a punição
demora a chegar, como o ocorrido em Santo Antônio do Descoberto. Em 2001, o
município firmou um convênio para a aquisição de uma ambulância no valor de R$
74 mil, mas a licitação acabou fraudada. Desde 2002 o Ministério Público tenta
punir os culpados, mas somente em maio deste ano conseguiu denunciar os
envolvidos nas irregularidades. Na época, o procurador da República em Anápolis
constatou que o ex-prefeito, o então secretário de Saúde do município e
integrantes da comissão de licitação simularam todo o processo de compra do veículo, que seria usado como
unidade de terapia intensiva móvel (UTI móvel).
O caso fazia parte do esquema dos
sanguessugas, desmontado em 2006 pela Polícia Federal. Passados 10 anos de
impunidade, ninguém foi condenado e a ambulância, que ainda deveria estar
funcionando, virou sucata no depósito da prefeitura. “Ela chegou aqui
funcionando, mas está parada há seis anos, que é o tempo em que trabalho aqui”,
comenta Marcos Paulo Machado da Silva, responsável pelo local. A cidade hoje
conta com duas unidades para atender os pacientes, mas ambas não estão em boas
condições de uso, segundo constatou a reportagem do Correio, durante a visita
feita ao hospital na última terça-feira.
O presidente da Confederação
Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, ressalta que a maior parte dos
desvios ocorre em convênios ligados aos 393 programas sociais da União. Ele
explica que no repasse direto de recursos de fundos institucionais dificilmente
ocorrem irregularidades. “Quando a verba recolhida (em forma de impostos)
volta, você não vê denúncias de fraudes”, observa Ziulkoski, ressaltando que o
problema em relação aos outros tipos de liberação de verbas é por causa do modo
em que isso é feito. “Falta estrutura pública, já que a que está aí não foi
modernizada”, diz o presidente da CNM, referindo-se à forma de arrecadação
existente no Brasil, que é centralizada no governo federal.
R$ 74 mil
Valor da ambulância comprada pela
prefeitura de Santo Antônio do Descoberto em uma concorrência pública irregular
Fonte: Correio Braziliense
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